segunda-feira, 3 de novembro de 2014

DIANTE DA JUSTIÇA

       



                                                      E que por ti, se torturado for,
                                                      Possa feliz, indiferente à dor,
                                                      Morrer sorrindo a murmurar teu nome. (1)

                                                                 Carlos Marighella


Precisava chegar àquela montanha.
Há anos perambula por ruelas, estradas, picadas.
Cheias de obstáculos.
Estou vendo aquela morada, mas quanto mais caminho mais longe fica,
mais perdido me sinto.

Moribundo, sem forças, recostado naquela árvore centenária, lembra seu peregrinar.
Pau-de-arara, afogamento,
confinamento.
Choque elétrico, ameaças,
voo sem rumo.
Por tudo passou e não alcançou aquele lugar,
tão perto e tão longe.
Um homem vagueia pelo caminho e avista aquele ser tão frágil e de olhar tão decidido.
Abaixa-se e oferece ajuda.
Quer um copo d’água, um prato de comida?
Não, minha fome é outra, e preciso ir lá para saciá-la,
e aponta para o morro.
Também estou a caminho de lá e posso lhe fazer companhia, convida o homem.
Mas os caminhos são tortuosos e há anos tento chegar lá e não consigo, diz o velho.

O homem encerra o breve diálogo com uma afirmação decidida:
Estou contigo nesta caminhada, não vamos desistir.

E partem com firmeza em direção ao destino.
Depois de anos de tentativas e sacrifícios chegam ao cume.
Avistam uma grande porta com tranca de ferro, vigiada por guardas.
Chegamos, gritam uníssonos!

Aproximam-se e indagam para um dos guardas:
É aqui que mora a Justiça?
Sim, mas vocês não podem entrar, não foi feita para vocês.
Mas nós vamos entrar, mais cedo ou mais tarde, vaticina o homem.

Cansados, voltam-se para o lado e sentam-se numa enorme pedra que
atravancava o caminho.
O velho olha para o homem e pergunta pelo seu nome.
Andamos juntos todos esses anos e não sei como te chamas.
Me chamo Marighella, disse o homem.
E você como é o seu nome?
Me chamo Verdade!

E olham para baixo, no pé do morro,
e avistam uma multidão a caminho.



(1) Poema “Liberdade” de Carlos Marighela, escrito em 1939 em São Paulo no Presídio Especial.
Link do poema completo:

http://www.historiavermelha.com/2009/07/liberdade-poema-de-carlos-marighella.html?m=1

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