domingo, 8 de setembro de 2013

A FORÇA ESTÁ COM OS BANCÁRIOS!




Tenho tido a honra de representar os bancários de nosso sindicato na mesa de negociações com a FENABAN (Entidade que representa os bancos).

Presencio, a cada reunião, o esforço e a força dos argumentos dos trabalhadores, habilmente expressos pelos membros do comando nacional, eleitos na Conferência Nacional dos Bancários.

Os argumentos escancaram uma realidade de sofrimento e dor, onde a exploração não tem limites.

Mas a cada encontro, vejo a insensibilidade dos bancos, expressos na fala, na postura e nos argumentos dos representantes dos banqueiros. Defendem o indefensável com a frieza contábil. Justificam o injustificável com o cinismo dos mercados. Exercitam a intransigência, irmanada na arrogância.

Até agora tergiversaram, continuando a falar mais do mesmo, ou seja, colocando empecílios para todas as demandas. A lógica do lucro acima da vida fica evidente. Os acionistas, o tal mercado, entes não palpáveis, são a quem se reportam.

Chegaram ao cúmulo de afirmar que os “bancos não precisam tanto do trabalho bancário”. Ora, sabemos (e eles também sabem!) que sem os bancários os bancos não existem. Somos, sim responsáveis pelos enormes lucros.

E para arrematar apresentam a proposta de 6,1% e pronto.
Sem aumento real. Sem melhorias na PLR.
Nada de medidas preventivas para evitar o adoecimento e para acolher os colegas que perderam sua saúde trabalhando.
Nada de avanços na proteção aos bancários vítimas de assaltos e na segurança das agências.
Nada sobre as metas abusivas e quanto ao assédio moral.
Nada para coibir as demissões que campeiam nos bancos privados.
Nada de contratação de mais bancários para darmos conta das demanda crescentes.

O momento de maior sinceridade, creio eu, é quando levantam-se e vejo-os de costa, retirado-se da sala.

Terminada a reunião, acesso meu celular e acesso uma postagem no Facebook de minha esposa: Ontem à noite dormi assistindo star wars, parte IV. Aí, tive um sonho muito significativo. Sonhei que atendia a princesa Léia, pois iria fazer uma perícia no INSS. No sonho seria como enfrentar o malfadado.. Acabo a conversa com um sonoro: Que a FORÇA esteja contigo! Tem lógica, não !?

Ainda olhando a dispersão da reunião, penso na saga do Star Wars. olho, saindo, o representante da Fenaban e imagino-o como um Darth Vader, manipulado (consciente, creio eu) pelo império, os bancos. E vejo a categoria enfrentando o malfadado, o imperial sistema financeiro.

Me transporto para a realidade cotidiana dos bancários. Eis o momento onde a vida concreta se efetiva, onde presenciamos as dificuldades dos colegas em executar o trabalho prescrito, devido às péssimas condições .

E o momento de maior força interior é quando vejo nossa categoria se movendo. Construindo a campanha salarial. Quando fica transparente que o descontentamento é geral e que vai, passo a passo, transformando-se em mobilização, em luta.

Não me paira nenhuma dúvida que a FORÇA está com os bancários!

O momento de nossa campanha salarial é de intensificar a mobilização e construir uma grande greve dia 19 de setembro.

Quando tentam estimular o individualismo, construímos a solidariedade, a luta coletiva.

Vamos mostrar, mais uma vez, que sem bancário, os bancos param.

QUE A FORÇA ESTEJA CONOSCO. Vamos pra luta!

terça-feira, 20 de agosto de 2013

VIOLÊNCIA ORGANIZACIONAL NO MUNDO DO TRABALHO


Em 1999 escrevi um texto para o Relatório Azul, editado pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS. Na época exercia a presidência a Deputada Maria do Rosário. Infelizmente o conteúdo continua atual.





Toda pessoa tem o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas
 e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego'.

(Artigo XXIII - Declara
ção Universal dos Direitos Humanos)


Nossa sociedade está impregnada pela violência que se expressa em todas as áreas. Vivemos numa verdadeira 'guerra econômica' e em nome dessa guerra são utilizados, no mundo do trabalho, métodos cruéis a fim de excluir os que não estão aptos. Quanto aos aptos para o combate, exigem-se desempenhos sempre superiores em termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação. Somente sobreviveremos, dizem-nos, se nos superarmos e nos tornarmos ainda mais eficazes que nossos concorrentes (Dejours,1998).
Essa 'guerra' tem vitimado milhares de seres humanos e se desenvolve dentro de aspectos que merecem um maior debate. Para compreender essa realidade de forma mais profunda é preciso um olhar 'por trás das vitrinas' e focar os ambientes de trabalho que estão impregnados de sofrimento humano. O sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho: imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de adaptação à cultura e à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, entre outros componentes.
Vivemos a época do mercado ilimitado onde é utilizada munição pesada sobre os trabalhadores num processo de competição total. Verdadeiras artimanhas gerenciais são impostas aos que ainda têm emprego, com intensas exigências de produção. São horas extras constantes, ritmo de trabalho alucinante, metas e mais metas. O individualismo é estimulado num contexto de permanentes disputas. Colega controla colega nos circulos de qualidade, todos disputam entre si pela manutenção do emprego. 
Para garantir a aplicação da política neoliberal, é peça fundamental o desemprego. Só assim conseguem impor plenamente a subjugação, com pouca ou nenhuma reação. Afinal você ainda tem sorte de estar empregado! A precarização do trabalho através da chamada flexibilização do trabalho, modo de maximizar os lucros com diminuição de custos trabalhistas, escapando da pressão sindical e ampliando ainda mais a autonomia nas práticas de demissão, tem garantido o ideário neoliberal.
Tudo isso realizado com a complacência da Justiça. A lei, ao invés de garantir e universalizar direitos, está a destituir indivíduos de suas prerrogativas de cidadania; produzindo uma fratura entre a figura civil do trabalhador e a do pobre incivil. Vivemos uma triste realidade onde o mercado fornece o retrato acabado de uma sociedade na qual direitos não fazem parte das regras que organizam a vida social (Telles, 1994).
Essa realidade é mostrada como único caminho a seguir. Como o preço a se pagar para o desenvolvimento e o progresso. Uma forte carga ideológica e de propaganda está produzindo a banalização da injustiça social. O sofrimento, o medo, o adoecimento, o desemprego e até o suicídio no trabalho são vistos com passividade, quase beirando a normalidade.
Não é possível ficar insensível aos milhares de trabalhadores que morrem em acidentes de trabalho. O Brasil ponteia as estatísticas mundiais. Em sua maioria são acidentes ocasionados por omissão das empresas nas aplicações das normas de segurança e da exigência aos trabalhadores para garantir a produção, mesmo colocando em risco a própria vida. Apesar das estatísticas pouco confiáveis do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foram registrados, em 1997, 306.709 acidentes de trabalho e 29.707 doenças profissionais ou do trabalho, entre as quais despontam as Lesões por Esforços Repetitivos (LER), que representam 80 a 90% dos casos.
Essa realidade, que vitima seres humanos em número superior às guerras civis existentes no mundo, traz um componente social aviltante. As práticas administrativas das empresas, depois de negligenciar quanto à saúde de seus empregados, não os acolhe. 
No Banco Meridional, assumido pelo Grupo Bozano Simonsen, funcionários que retomaram ao trabalho com restrições do INSS por terem LER, foram colocados em um porão realizando trabalhos em condições desumanas, que chocou os próprios fiscais da Delegacia Regional do Trabalho. Foram duplamente penalizados, além da doença, pela discriminação e humilhação. Mas essa é a lógica do mercado total e ilimitado: os que não podem produzir a pleno vapor são jogados à margem.
Isso faz lembrar a história contada por uma companheira do Sindicato dos Sapateiros, que comparou o discurso de seus patrões, da 'grande família' que a empresa representava, com a família dos esquimós. Dizia ela: 'Realmente somos uma família. Uma família de esquimós, que quando um membro da comunidade envelhece ou fica inválido são levados para a planície gelada e deixando-os a sós para morrerem!'
Como não nos revoltar com os castigos impostos em uma fábrica de calçados, fruto de denúncia na CCDH da Assembleia Legislativa, onde os trabalhadores recebem castigo, com a humilhação pública, quando faltam ao serviço e têm a ida ao banheiro controlada.
Como não se sensibilizar com o número de suicídios ocorridos na categoria bancária que já passam de uma centena. Somente de 1993 a 1995 foram 72, uma média de um suicídio a cada 15 dias. Foram mortes associadas à depressão profunda originada, em sua grande maioria, pelas pressões no trabalho. 
No Banco do Brasil, a situação foi mais trágica. Ocorreram num período de dois anos em torno de 30 suicídios, em um momento de reestruturação do Banco, com transferências arbitrárias, perseguições, brutal achatamento salarial e demissões.
A perversidade da empresa moderna se expressou no Banco do Brasil com a contratação de uma consultoria para manipular sentimentos de desvínculo com o Banco, onde foram ensinados todos os passos para consumar os milhares de desligamentos.
É preciso chamar a atenção da sociedade, colocando em pauta a discussão sobre o sofrimento no trabalho. 'Tentativas de suicídios ou suicídios consumados, no local de trabalho, que atestam provavelmente o impasse psíquico criado pela falta de interlocutor que dê atenção àquele que sofre e pelo mutismo generalizado' (Dejours).
O capitalismo cria contradições e problemas que não consegue resolver, gerando a desigualdade e a desumanidade. Ele 'exige um crescimento de produtividade sem fim’. Contudo 'diferentemente das máquinas e de seus produtos, que se tornam cada vez mais eficientes e baratos, os seres humanos permanecem obstinadamente humanos' .(Hobsbawm).
É imprescindível e urgente o enfrentamento à ordem imposta através do modelo neoliberal, que tem trazido consigo um rastro de sofrimento. Mudar essa situação significa desenvolvermos, na sociedade, a consciência crítica sobre o que é a ordem vigente e a solidariedade como contraponto às práticas de estímulo à competição entre os trabalhadores.
O desenvolvimento de uma consciência crítica demanda a busca por desvendar as contradições sociais. ֹ É preciso interagir nos corações e mentes dos trabalhadores, dividir suas carências e afetos, com ações que escancarem o dia-a-dia real.
Segundo Marx 'é exatamente a cegueira do pensamento consciente do homem que impede de tomar conhecimento de suas verdadeiras necessidades humanas e de ideais nele arraigados. Só se a falsa percepção é transformada em verdadeira, isto é, só se tomamos conhecimento da realidade, ao invés de deturpá-la por meio de racionalizaçõs e ficções, podemos dar-nos conta de nossas necessidades reais e verdadeiramente humanas'.
A solidariedade entre os trabalhadores é transformadora, pois vai contra a ordem capitalista, individualista em essência. É preciso desenvolver uma 'política que seja conscientemente oposta à fragmentação da sociedade atual que impõe, de forma crescente, a separação dos indivíduos na produção e na vida privada. Ela tende a desconstituir a vida coletiva e privatizar, cada vez mais os espaços públicos qualificados(..) Devemos incidir no cotidiano buscando a disputa por novos valores, capazes de subsidiar projetos gerais e também alimentar a articulação dos novos sujeitos' (Genro, 1997).
Ainda assim, acreditamos que a vida pode ser melhor e que viver do próprio trabalho deve ser algo dignificante, não um castigo. Por isso, lutamos para transformar essa realidade. Os movimentos sociais precisam vencer os desafios das novas tecnologias e das novas formas de organização do trabalho, sem vacilar no enfrentamento ao modelo imposto.
O trabalho em Direitos Humanos tem o desafio de abarcar essa temática buscando construir essa interlocução, rompendo com o silêncio e a omissão."

Mauro Salles
Coordenador do Departamento de Saúdo do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região.



Referências bibliográficas do texto "Violência organizacional no mundo do trabalho":
ARRUDA JR., Edmundo Lima; RAMOS, Alexandre (org.). Globalização,neoliberalismo e o mundo do trabalho. Curitiba: Edibej, 1998.
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
GENRO, Tarso, A crise do sindicalismo e a regeneração da solidariedade. Porto Alegre. 1997.
HOBSBAWM, Eric, Era dos Extremo s. São Paulo; Companhia das Letras, 1995.
TELLES, Vera, Pobreza e cidadania: precariedade e condições de vida. In: MARTlNS, H.S.; RAMALHO, J.R (org.), Terceirização - Diversidade e Negociação no Mundo do Trabalho. São Paulo; Hucitec, p. 85-111, 1994.
XAVIER, Ernani Pereira. Um minuto de silêncio: réquiem aos bancários mortos no trabalho. Porto Alegre. Sind. Bancários de Porto Alegre, 1998.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

OU DECIFRA-ME OU TE DEVORO.



Por um sindicalismo à altura do momento.


As grandes mobilizações trazem ensinamentos que ainda estão sendo analisados. A plena compreensão virá quando se tornar história, em retrospectiva.

Mas a história se faz ao caminhar. Portanto, o povo na rua impõe aproveitarmos o momento para fazermos avançar a democracia, a justiça social, a soberania popular. Ou poderemos sentir o gosto amargo de retrocessos conservadores. Na política não existem espaços vazios.

A miríade de propostas que aparecem nas ruas precisam de uma síntese, sim. Mas essa síntese ocorrerá nas próprias ruas, nas mobilizações. Caso contrário ela ocorrerá nos corredores do planalto central e através da grande mídia. Não chegará à planície.

Essa é a queda de braços essencial.

Portanto, as mobilizações programadas pelo movimento sindical devem ser construídas com muita unidade e ofensividade.

As jornadas de Lutas programadas são alvisareiros indícios de uma mudança de postura do movimento sindical. Sair da reatividade para a ofensiva. A unidade que está sendo buscada, com todas as dificuldades, é elemento essencial.

A campanha salarial dos bancários acontece nesse contexto histórico. Tenho certeza que a categoria, como sempre, será ator importante no processo de mobilização e como elo de unidade e ousadia.

Paralisações e mobilizações de trabalhadores podem colocar em cheque não só as estruturas dos serviços públicos, a inadimplência do legislativo. Mas essencialmente botar o dedo na ferida, na estrutura da sociedade, na luta de classes, no embate entre o capital e o trabalho.

Dentro das empresas existe um outro código. Racismo é aceito, o assédio e a exploração são fatos. Trabalhadores morrem, adoecem, sofrem, para fazer a roda do capital andar. Tudo isso é tolerado, banalizado.

A Democracia plena passa por ampliação da participação popular. Passa, também, pela democratização das relações de trabalho, empoderando os trabalhadores. Para que mudanças profundas ocorram é preciso colocar em evidência a ferida exposta da forma como são decididos os rumos a nação: com participação popular de baixíssima intensidade.

Urge uma radical mudança de paradigmas. Uma efetiva Reforma Política, mãe de todas as reformas, precisa ser construída em outros patamares. Mudanças não serão realidade com a estrutura existente, com um congresso nacional que decide no toma-lá-dá-cá.

Outra questão essencial é regular a mídia, um verdadeiro quarto-poder, que tenta monopolizar as informações, as mentes, e a própria verdade.

Para estarmos à altura é premente resgatar a unidade das esquerdas pois não podemos deixar o leite derramar e depois lamentar nossa incompetência histórica. Mas para isso torna-se necessário ampliar a participação, superar o sectarismo.
É premente o envolvimento crescente dos trabalhadores na mudança social, buscando formas mobilizatórias para a necessária resistência aos ataques conservadores. Sempre na luta para termos avanços sociais, sem botar água no moínho da direita, jogando fora a água, a bacia e o nenem.

Devemos buscar contribuir na construção de uma estratégia de longo alcance, ousada e criativa. Para isso talvez o próprio movimento sindical (todos os atores, não só os que eu combato), terá que se questionar de alto a baixo.

É melhor que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa, até porque, se o não fizer, acabará por ser questionado a partir de fora (Boaventura, p. 384, Gramática do tempo)

A realidade está impondo a necessidade de reinventar nossa atuação. Reinventar não significa negar os elementos positivos até aqui alcançados, mas compreender seus limites e a necessidade superar barreiras.

Para superar, vejo importante que tenhamos propostas que unifiquem politicamente, onde seja resgatada a unidade na ação, definindo coletivamente as estratégias com a máxima ampliação de pessoas envolvidas na militância.

Precisamos de um sindicalismo ativo e inquieto, mas também competente para mobilizar paixões com razões convincentes.


Vivendo dois tempos coexistentes, um prestes a se esgotar e outro em ebulição, sindicalistas e trabalhadores mais decididos precisam lançar-se à luta por uma célebre renovação de suas organizações. Terão que suplantar as mudanças em curso na esfera do capital oligopolista automatizado e do Estado. Essa parece ser a questão, se quiserem recusar o destino de substituto de servos e párias” (Florestan Fernandes)

domingo, 14 de julho de 2013

RICARDO, CORAÇÃO DE BANCÁRIO



No meu caminho tinha um coração,
Tinha um coração no meu caminho.

Estava caminhando, pensamentos ao longe, encontrei um coração palpitando na calçada, sem o corpo.

Todos passavam e não olhavam para baixo, não viam. Seguiam pensando ao longe.

Pensando perto, comigo mesmo, vi o órgão vermelho molhado de sangue. Parei, peguei-o.
O coração estava quente, acho que até ouvi bater, tum.tum.tum...

Olhei para todos os lados e, desesperadamente, passei a procurar seu corpo.

Entrei em uma agência bancária ao lado de onde encontrei o coração e perguntei afoito,
“será de alguém esse coração, ele está vivo ainda, precisa de um corpo...e de um cérebro para comandar”.

Um bancário aproxima-se assustado e me diz,
“poderia ser meu pois quase não controlo o meu. Não aguento tanta humilhação, pressão, exigências sem fim. Não consigo colocar meu coração a serviço de minha família. Minha filhinha quando chego em casa e ela ainda está acordada, coloca seu ouvido no lado esquerdo de meu peito e fica em silêncio até adormecer”.

Continuo, com alta angústia, sem saber de que corpo é esse coração que teima em continuar batendo, caliente.

Aproxima-se um outro bancário da agência, parece ser o gerente, e me diz,
“poderia ser meu, mas não é. Meu coração quase saiu pela boca quando eu e minha família fomos feitos reféns por assaltantes. O bandidos sabiam de toda minha rotina. O que mais me surpreendeu foi que tinham detalhes dos poucos momentos de convivência familiar. Fotos de minha ida ao circo, à lanchonete, de meu filho chegando na escola. Quase saí de mim. Aquela foto de meu filho, mostrada por eles, assustou muitíssimo mais do que aquela pistola em minha cabeça”.

Senti aquele coração se apertar entre minhas mãos, se é que isso é possível.

Não desisti, continuei procurando, gritando, indagando,
“de quem é esse coração que insiste em continuar pulsando?!”

Aproximou-se de mim uma bancária,
“não é meu. O meu acho que não pulsa mais. Acabei de ser demitida. Me dedicava totalmente ao banco, fui premiada recentemente como melhor vendedora da região sul. Nunca imaginei que isso aconteceria agora. E o pior, não sei os motivos, não tenho mais chão, flutuo num desespero total”.

O coração quase cai ao chão numa pulsação aguda, mas consigo segurar.

Um outro bancário se aproxima e fala,
“não é meu, mas poderia ser, eu todo dia choro para dentro pensando na possibilidade de ser demitido, descomissionado, assaltado. Choro, choro muito para dentro quando sou humilhado pela pressão cotidiana para cumprir as metas. Pô, sempre cumprimos as metas! A humilhação parece ser preventiva pois se não cumprissemos, se não cumprirmos sabemos que seremos dispensados, punidos!

Me preocupo enormemente, não posso deixar esse coração parar de pulsar. Ele não viverá muito tempo sozinho, precisa de um corpo. Ou será que é um coração diferente?
Talvez pertença a muitos, precisa de muitos corpos para adotá-lo.

Me vejo com dois corações, o meu biológico e o de todos, social e coletivo, e me convenço que, para mantê-los vivos por muito tempo, significa buscar ambientes mais respeitosos, com mais companheirismo, mais solidariedade.

Saio da agência bancária e vou para a rua, sento no banco de uma praça, olho para aquele coração que teima em bater e não consigo parar de pensar.

A razão dos bancos (da elite) busca controlar nosso cérebro, mas o que eles não sabem, ou fazem de conta que não sabem, ou fazem de tudo para que nós não tomemos consciência, é que o coração não consegue controlar o cérebro.

E nosso cérebro, nossa consciência precisa de clareza para não deixar nosso coração sem corpo.

Até esse momento, onde termino esse relato, o coração continua palpitando. Estamos revezando para bombá-lo e mantê-lo vivo, até que surja o corpo para reabrigá-lo.

Dei uma saidinha para descansar. Olho para trás e vejo uma fila enorme de pessoas esperando sua vez de cuidar daquele coração. São milhares...

Homenagem a um colega bancário que foi vítima de AVC relacionado ao trabalho.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

REMÉDIO, FERRAMENTA DE TRABALHO?




Ao ler a reportagem das páginas quatro e cinco da edição da segunda-feira, 10 de junho, manchete de capa de Zero Hora, vi uma luta de muitos anos tendo visibilidade num dos jornais de maior circulação do país. Mas também me entristeci. Os dados confirmam um sofrimento com o qual convivo há muitos anos como dirigente sindical e como bancário. O número de trabalhadores que usa drogas e está afastado do trabalho aumentou muito no Rio Grande do Sul.


Sob o título “Licenças por uso de drogas quase triplicam”, a reportagem mostra que entre 2006 e 2012 o número de afastamentos do trabalho por uso de drogas lícitas e ilícitas aumentou 179%.


Entre os bancários cresce o número de colegas que precisa usar medicamento para a dor ou antidepressivos e antiansiolíticos para conseguir trabalhar e atender às exigências por resultados e cumprimento de metas, muitas delas inatingíveis. Ao abrir as gavetas das mesas de trabalho dos bancários, é comum encontrar caixas de medicamentos. Os remédios tornaram-se ferramentas de trabalho.


Esse fenômeno intensificou-se a partir da década de 1990. A reengenharia com seus novos métodos de gestão trouxe consequências aos trabalhadores, especialmente na questão da saúde psíquica. Cresceram os casos de depressão devido às exigências, repercutindo no aumento de suicídios ligados ao trabalho.


Pesquisa de 2009, do professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, demonstrou que de 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidou. Motivos: pressões por metas, excesso de tarefas e medo do desemprego.


Já em 1997, em estudo organizado pelo SindBancários com a colaboração do Departamento de Medicina Social da UFRGS, com 12 mil bancários pesquisados em 194 municípios gaúchos, cerca de 56% relatavam sofrimento em agências. Em torno de 9,2% admitiram que o pensamento de acabar com a vida já havia passado pela sua cabeça. Infelizmente essa realidade piorou.


No mês passado, perdemos um colega bancário no Interior do Estado. A causa diagnosticada é um infarto fulminante. Porém, as circunstâncias da morte revelam sofrimento e solidão. Pouco antes de morrer, a caminho do hospital, ele disse à esposa que aquilo tinha a ver com o seu trabalho.


Lutamos muito para mudar essa lógica em que o trabalhador não encontra satisfação pessoal, mas sofrimento. Por isso reportagens como a de Zero Hora são importantes para dar visibilidade a um grave problema social. Modelos de gestão que visam tão somente os negócios, o lucro, a rentabilidade não podem estar acima da vida.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

SINDICALISMO CHOROSO



Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!” (F. Engels; Programa dos Comunardos-bIanquistas, no jornal social-democrata alemão Volksstaat*2 ,1874,

Em 1920, ainda recuperando-se dos ferimentos sofridos pelo atentado a tiros de 1918, Lenin escreveu um panfleto em que condenou a extrema esquerda européia pelo seu radicalismo, por seu excesso de "purismo". Naquela ocasião, definiu o "esquerdismo" deles como uma "doença infantil do comunismo".

Acho que é possível evocar esse jogo de palavras para a atualidade, onde estamos vendo setores de “esquerda” resvalar para a crítica sistemática e vazia, não conseguindo desenvolver a necessária análise da complexidade do momento.

A criança mimada esperneia quando tem alguma frustração. Quando adolecente, via-de-regra, revolta-se contra os pais. Na política marxista aprendi que não podemos nos dar ao luxo do infantilismo sob o risco de não analisarmos adequadamente a realidade e sermos condizidos a uma prática que fortalece nossos inimigos.

A política, quando adjetivada em excesso, fraciona, confunde. Acaba por cair na polarização do bem contra o mal. Nós, os corajosos contra os covardes. Nós os éticos contra os que flertam com os corruptos. Nós os combativos contra os pelegos.

A realidade é mais complexa e o momento impõe a capacidade de compreender as várias nuances da conjuntura. É essencial a busca intransigente da unidade. Precisamos ter a capacidade da tolerância, compreender as limitações de todos e não operarmos a política oportunista da adjetivação a todos e a tudo, escondendo objetivos obcecados de disputas de espaços e aparatos.

Essas posições oportunistas que são contra tudo e a todos, sem apontar saídas, é uma visão que cada dia tem menos audiência. Os joãozinhos do passo certo é uma fórmula fácil, mas de fôlego curto.

A relação do movimento com governos de esquerda é um debate histórico do movimento dos trabalhadores. Temos certeza de que é pressuposto manter-nos na trincheira, defendendo os direitos dos trabalhadores, de forma autônoma.

Mas é essencial, também, envolver os trabalhadores na mudança social, refletir incessantemente na busca de formas mobilizatórias para a necessária resistência aos ataques e na luta para termos avanços sociais, sem botar água no moínho da direita, jogando fora a água, a bacia e o nenem.

Se somente coragem resolvesse o problema, tenho certeza que estariamos em melhor situação. Temos, no movimento sindical, valorosos e corajosos companheiros. Mas o bicho é mais cabeludo, já estou careca de saber.

Não temos o direito de ser principistas infantis. “O governo me traiu, me frustrou”. Só se frustra quem se ilude. Devemos sempre ter claro as limitações do Estado e que as mudanças ocorrem e ocorrerão através da luta social.

Como afirma Boaventura Santos, hoje precisamos de rebeldes competentes, que devem conjugar razões convincentes a paixões mobilizadoras.

Vivemos em uma sociedade individualizada, onde ocorrem muitas mobilizações, mas de forma dispersa. Um primeiro desafio: unir todos os movimentos em uma pauta apaixonante e mobilizadora.

Um outro elemento é conseguirmos sair da pauta da direita que prega o moralismo intenso. Isso sem transigir com a corrupção e ao abandono de compromissos com os trabalhadores.

Temos claro que o movimento sindical está com dificuldades de dar as respostas devidas para a realidade. Mas essa dificuldade não é de direção, como o discurso fácil de quem só quer disputar aparatos. ah, se fosse tão simples!

As respostas devem ser buscadas, mas não existe receita de bolo. O caminho se descobre ao caminhar. “... seria simplesmente um charlatão quem pretendesse inventar para os operários uma receita que desse antecipadamente soluções adequadas para todas as circunstâncias da vida ou prometesse que na política do proletariado revolucionário não surgirão nunca dificuldades nem situações complicadas”. (Lênin - Esquerdismo Doença infantil do comunismo, pág. 29).

Compreender os fatores pelos quais lutamos e atuamos em um mesmo objetivo, é a questão essencial. Se o que nos une é a indignação contra a opressão aos trabalhadores; o inconformismo com o modo de produção capitalista; a firme convicção de que é necessário um novo sistema social, socialista, onde a solidariedade, a igualdade substantiva, a liberdade devem ser seus pilares, certamente iremos juntos dando nossa contribuição na caminhada necessária.

Precisamos conscientemente compreender as dificuldades e achar, na prática e na teoria, saídas emancipatórias.

Mas para isso necessitamos definir um “norte”, com unidade de ideal, dentro da ética revolucionária, para além do mero discurso. 

Não podemos almejar o poder pelo poder, sem conteúdo transformador, o que acaba por reproduzir a mesmice na inércia, reproduzindo a lógica do capital. Nunca perdendo de vista que existe uma disputa entre classes, por mais que aparentemente isso esteja diluído.

Devemos buscar contribuir na construção de uma estratégia de longo alcance, ousada e criativa. Para isso talvez o próprio movimento sindical (todos os atores, não só os que eu combato), terá que se questionar de alto a baixo. 

“É melhor que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa, até porque, se o não fizer, acabará por ser questionado a partir de fora (Boaventura, p. 384, Gramática do tempo)

A realidade está impondo a necessidade de reinventar nossa atuação. Reinventar não significa negar os elementos positivos até aqui alcançados, mas compreender seus limites e a necessidade superar barreiras. 

É inegável a saturação da relação política, fruto da difícil realidade e da falta de objetivos comuns. Mas também é consequência do acomodamento, da burocratização imposta pela rotina despolitizada. Os conflitos despolitizados atestam a falta de capacidade de elaboração e uma falta de direção comum.

Para superar vejo importante que tenhamos propostas que unifiquem politicamente, onde seja resgatada a unidade na ação, definindo coletivamente as estratégias, mas que coletivamente também sejam cobradas responsabilidades. Isso tudo implementado com a máxima ampliação de pessoas envolvidas na militância.

Nesse momento de dificuldades do sindicalismo, mais do que nunca, precisamos incorporar ativistas para potencializar a construção da luta.

Sem choro nem vela, sem ranços, precisamos defender um sindicalismo ativo e inquieto, mas também competente para mobilizar paixões com razões convincentes.