domingo, 14 de julho de 2013

RICARDO, CORAÇÃO DE BANCÁRIO



No meu caminho tinha um coração,
Tinha um coração no meu caminho.

Estava caminhando, pensamentos ao longe, encontrei um coração palpitando na calçada, sem o corpo.

Todos passavam e não olhavam para baixo, não viam. Seguiam pensando ao longe.

Pensando perto, comigo mesmo, vi o órgão vermelho molhado de sangue. Parei, peguei-o.
O coração estava quente, acho que até ouvi bater, tum.tum.tum...

Olhei para todos os lados e, desesperadamente, passei a procurar seu corpo.

Entrei em uma agência bancária ao lado de onde encontrei o coração e perguntei afoito,
“será de alguém esse coração, ele está vivo ainda, precisa de um corpo...e de um cérebro para comandar”.

Um bancário aproxima-se assustado e me diz,
“poderia ser meu pois quase não controlo o meu. Não aguento tanta humilhação, pressão, exigências sem fim. Não consigo colocar meu coração a serviço de minha família. Minha filhinha quando chego em casa e ela ainda está acordada, coloca seu ouvido no lado esquerdo de meu peito e fica em silêncio até adormecer”.

Continuo, com alta angústia, sem saber de que corpo é esse coração que teima em continuar batendo, caliente.

Aproxima-se um outro bancário da agência, parece ser o gerente, e me diz,
“poderia ser meu, mas não é. Meu coração quase saiu pela boca quando eu e minha família fomos feitos reféns por assaltantes. O bandidos sabiam de toda minha rotina. O que mais me surpreendeu foi que tinham detalhes dos poucos momentos de convivência familiar. Fotos de minha ida ao circo, à lanchonete, de meu filho chegando na escola. Quase saí de mim. Aquela foto de meu filho, mostrada por eles, assustou muitíssimo mais do que aquela pistola em minha cabeça”.

Senti aquele coração se apertar entre minhas mãos, se é que isso é possível.

Não desisti, continuei procurando, gritando, indagando,
“de quem é esse coração que insiste em continuar pulsando?!”

Aproximou-se de mim uma bancária,
“não é meu. O meu acho que não pulsa mais. Acabei de ser demitida. Me dedicava totalmente ao banco, fui premiada recentemente como melhor vendedora da região sul. Nunca imaginei que isso aconteceria agora. E o pior, não sei os motivos, não tenho mais chão, flutuo num desespero total”.

O coração quase cai ao chão numa pulsação aguda, mas consigo segurar.

Um outro bancário se aproxima e fala,
“não é meu, mas poderia ser, eu todo dia choro para dentro pensando na possibilidade de ser demitido, descomissionado, assaltado. Choro, choro muito para dentro quando sou humilhado pela pressão cotidiana para cumprir as metas. Pô, sempre cumprimos as metas! A humilhação parece ser preventiva pois se não cumprissemos, se não cumprirmos sabemos que seremos dispensados, punidos!

Me preocupo enormemente, não posso deixar esse coração parar de pulsar. Ele não viverá muito tempo sozinho, precisa de um corpo. Ou será que é um coração diferente?
Talvez pertença a muitos, precisa de muitos corpos para adotá-lo.

Me vejo com dois corações, o meu biológico e o de todos, social e coletivo, e me convenço que, para mantê-los vivos por muito tempo, significa buscar ambientes mais respeitosos, com mais companheirismo, mais solidariedade.

Saio da agência bancária e vou para a rua, sento no banco de uma praça, olho para aquele coração que teima em bater e não consigo parar de pensar.

A razão dos bancos (da elite) busca controlar nosso cérebro, mas o que eles não sabem, ou fazem de conta que não sabem, ou fazem de tudo para que nós não tomemos consciência, é que o coração não consegue controlar o cérebro.

E nosso cérebro, nossa consciência precisa de clareza para não deixar nosso coração sem corpo.

Até esse momento, onde termino esse relato, o coração continua palpitando. Estamos revezando para bombá-lo e mantê-lo vivo, até que surja o corpo para reabrigá-lo.

Dei uma saidinha para descansar. Olho para trás e vejo uma fila enorme de pessoas esperando sua vez de cuidar daquele coração. São milhares...

Homenagem a um colega bancário que foi vítima de AVC relacionado ao trabalho.

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