No meu caminho tinha um
coração,
Tinha um coração no
meu caminho.
Estava caminhando,
pensamentos ao longe, encontrei um coração palpitando na calçada,
sem o corpo.
Todos passavam e não
olhavam para baixo, não viam. Seguiam pensando ao longe.
Pensando perto, comigo
mesmo, vi o órgão vermelho molhado de sangue. Parei, peguei-o.
O coração estava
quente, acho que até ouvi bater, tum.tum.tum...
Olhei para todos os
lados e, desesperadamente, passei a procurar seu corpo.
Entrei em uma agência
bancária ao lado de onde encontrei o coração e perguntei afoito,
“será de alguém
esse coração, ele está vivo ainda, precisa de um corpo...e de um
cérebro para comandar”.
Um bancário
aproxima-se assustado e me diz,
“poderia ser meu pois
quase não controlo o meu. Não aguento tanta humilhação, pressão,
exigências sem fim. Não consigo colocar meu coração a serviço de
minha família. Minha filhinha quando chego em casa e ela ainda está
acordada, coloca seu ouvido no lado esquerdo de meu peito e fica em
silêncio até adormecer”.
Continuo, com alta
angústia, sem saber de que corpo é esse coração que teima em
continuar batendo, caliente.
Aproxima-se um outro
bancário da agência, parece ser o gerente, e me diz,
“poderia ser meu, mas
não é. Meu coração quase saiu pela boca quando eu e minha família
fomos feitos reféns por assaltantes. O bandidos sabiam de toda minha
rotina. O que mais me surpreendeu foi que tinham detalhes dos poucos
momentos de convivência familiar. Fotos de minha ida ao circo, à
lanchonete, de meu filho chegando na escola. Quase saí de mim.
Aquela foto de meu filho, mostrada por eles, assustou muitíssimo
mais do que aquela pistola em minha cabeça”.
Senti aquele coração
se apertar entre minhas mãos, se é que isso é possível.
Não desisti, continuei
procurando, gritando, indagando,
“de quem é esse
coração que insiste em continuar pulsando?!”
Aproximou-se de mim uma
bancária,
“não é meu. O meu
acho que não pulsa mais. Acabei de ser demitida. Me dedicava
totalmente ao banco, fui premiada recentemente como melhor vendedora
da região sul. Nunca imaginei que isso aconteceria agora. E o pior,
não sei os motivos, não tenho mais chão, flutuo num desespero
total”.
O coração quase cai
ao chão numa pulsação aguda, mas consigo segurar.
Um outro bancário se
aproxima e fala,
“não é meu, mas
poderia ser, eu todo dia choro para dentro pensando na possibilidade
de ser demitido, descomissionado, assaltado. Choro, choro muito para
dentro quando sou humilhado pela pressão cotidiana para cumprir as
metas. Pô, sempre cumprimos as metas! A humilhação parece ser
preventiva pois se não cumprissemos, se não cumprirmos sabemos que
seremos dispensados, punidos!
Me preocupo
enormemente, não posso deixar esse coração parar de pulsar. Ele
não viverá muito tempo sozinho, precisa de um corpo. Ou será que é
um coração diferente?
Talvez pertença a
muitos, precisa de muitos corpos para adotá-lo.
Me vejo com dois
corações, o meu biológico e o de todos, social e coletivo, e me
convenço que, para mantê-los vivos por muito tempo, significa
buscar ambientes mais respeitosos, com mais companheirismo, mais
solidariedade.
Saio da agência
bancária e vou para a rua, sento no banco de uma praça, olho para
aquele coração que teima em bater e não consigo parar de pensar.
A razão dos bancos (da
elite) busca controlar nosso cérebro, mas o que eles não sabem, ou
fazem de conta que não sabem, ou fazem de tudo para que nós não
tomemos consciência, é que o coração não consegue controlar o
cérebro.
E nosso cérebro, nossa
consciência precisa de clareza para não deixar nosso coração sem
corpo.
Até esse momento, onde
termino esse relato, o coração continua palpitando. Estamos
revezando para bombá-lo e mantê-lo vivo, até que surja o corpo
para reabrigá-lo.
Dei uma saidinha para
descansar. Olho para trás e vejo uma fila enorme de pessoas
esperando sua vez de cuidar daquele coração. São milhares...
Homenagem
a um colega bancário que foi vítima de AVC relacionado ao
trabalho.
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