P. e
o povo de Bouvó não conseguiam sair do, cada dia mais ínfimo,
pedaço de terra que os abrigava.
A
montanha rochosa, enorme, os empurrava em direção ao mar bravio,
com imensas pedras a encurralá-los.
A
montanha avança, ou seria o mar?
Eram
sufocados, também, por uma minoria que habitava o topo da montanha.
Eram obrigados a pagar tributos com parte da sua produção de
alimentos e de utensílios. Caso contrário, os povos do topo,
represavam os córregos de água cujas nascentes estavam sob seu
controle.
Viam
com esperança aquela ilha que só aparecia, no longínquo horizonte,
em dias claros.
Mas
era impossível a saída para o mar. Seja a nado ou mesmo com
embarcações. Voar não era coisa para os homens e para as mulheres. Todas tentativas
terminaram em desastres.
Eram
pedras pontudas, ondas gigantescas, como ninguém pode imaginar. Só
o povo de Bouvó sabia. Todos os dias olhavam com medo para as imensas
vagas que explodiam nas imensas rochas.
Buscaram,
com muitas tentativas e por muitos anos, conquistar a montanha. Várias
expedições de populares tentaram atingir o topo. Muitos morreram.
Quem
chegou mais perto foi a turma organizada por P. , mas quando estavam
quase chegavam no cume, os do topo, poucos moradores de lá,
os excluiu provocando avalanches. Muitas perdas de vidas rolando
montanha abaixo. P. sobreviveu por um milagre.
No
leito de quase morte, entre um sonho e outro, P. idealizou a
construção de uma plataforma que sobrepujaria os obstáculos e
garantiria o acesso ao alto-mar, longe das ondas gigantes e dos
rochedos abissais. Assim poderiam zarpar com embarcações.
“Uma
plataforma para avançar, superar as ondas e os rochedos”.
Mas
foi recebido pelo povo de Bouvó com ceticismo.
Anos
de polêmica. Não foi fácil convencer.
Havia
aquele que dizia ser impossível. “Não temos os insumos
adequados”.
Alguns
apoiaram buscando levar vantagem com o empreendimento, o que gerava
desconfiança.
Outros
temeram que a liderança de P. crescesse se o empreendimento desse
certo. Assim perderiam espaço político e liderança no futuro,
naquela ilha.
Vários
alegavam não valer o risco da travessia e acreditavam ser uma ilha
inóspita, sem garantias para a sobrevivência de todos.
O
projeto foi sendo adiado pois a Plataforma precisava do engajamento
de todos.
Mas
a montanha continuava a avançar sobre o povo, estreitando os espaços
e o tempo. Ou seria o mar?
P.
defendia que, se fosse para morrer esmagados ou servis, era melhor
arriscar, acreditar na utopia. Aquela ilha era a esperança e, como
esperança não é uma emoção passiva, exige gente em ação, quase
todos decidiram ir atrás de seus sonhos
Premidos
pelas circunstâncias, enfim decidiram levar adiante a ideia.
Alguns
decidiram não participar e ficar. Eram pertencentes às médias,
como eram chamados esse grupo de
indivíduos.
Nem
todos os médias
ficaram, mas uma ampla maioria resolveu fazer juz à denominação e
fazer média com os do topo
Decidiram
realizar mais uma tentativa de escalar a montanha e negociar com os
do topo uma convivência onde se dispunham a uma servidão
voluntária.
Nunca
se soube ao certo sobre os resultados da tentativa. Parece que
ficaram no meio do caminho.
Levaram
incontáveis anos a empreitada de construir a Plataforma para o povo
que decidiu acreditar ser possível conquistar o mundo novo.
Muitos
moradores morreram, outros nasceram. Gerações renovaram-se, mas a
ideia da plataforma os manteve unidos diante do medo da montanha e
pela esperança de tempos melhores.
E a
montanha continuava a se mover. Ou seria o mar?
Por
fim, terminaram a construção da plataforma comum e dos barcos que
levariam a todos até aquela ilha.
A
plataforma era uma construção imponente. Contornava os arrecifes em
lugares onde diminuía seu tamanho. Estendia-se a quilômetros, mar
adentro, até onde o mar acalmava-se e as ondas não formavam-se.
Em
um dia ensolarado iniciaram a travessia. Zarparam em seus barcos rumo
a ilha. Os olhares esperançosos compartilhavam corpos ansiosos onde
o medo ainda era presente.
O
tempo bom não acalmou a fúria do oceano. A travessia foi tortuosa.
Vagas enormes desequilibravam os navios. Alguns afundaram. Mas a
maioria conseguiu triunfar pois não tiveram medo de ousar.
Surpreenderam-se
ao constatar que não era uma ilha. Era um continente.
Por
todos os lados haviam muitas montanhas a conquistar.
Anos
se passaram e P. despediu-se do povo e subiu a montanha mais alta.
De
lá P., ancião, olha para a montanha de Bouvó sendo engolida pelo
mar. Ou seria a montanha que afundou sob suas estruturas?
Constatou
que Bouvó não era um continente, era uma ilha!
Quem
tinha tudo no topo daquela montanha agora tem o mundo líquido que
construíram, boiando no mar bravio.
P.
espera, tranquilo e solitário, sua luz interior apagar-se.
E
consagrou-se à única tarefa de dormir e sonhar.
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