“O
sono da razão cria monstros (Goya).
Pior
que o sono da razão, de Goya, é o sono da memória…
…tenho
tido longas conversas com a minha paranoia, tentando acalmá-la.
(L.F. Veríssimo)
“O
opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os
próprios oprimidos” (Simone de Bouvoir)
Mais
uma vez na história brasileira, parcelas consideráveis da classe
média são mobilizadas para fortalecer o pacto conservador
brasileiro contemporâneo.
Sabemos
que as classes médias são segmentadas, possuem grupos com
interesses e ideias distintas. Mas seguimentos numerosos e
importantes estão a defender, com paixão incomum, um núcleo de
ideias apavorantes.
Esses
segmentos apaixonados apagam da memória recente, com apagador
umbilical, os avanços sociais indiscutíveis.
Perdem
funções cognitivas básicas ao não lembrar o que significou anos
de ditadura. Ao se fazer de
tolo e não considerar os
prejuízos sociais dos anos FHC com desemprego, privatizações,
perda de soberania, crise econômica, onde o Brasil quebrou três
vezes.
Além
de seus interesses “ameaçados” – teme por seu lugar de
privilégio devido ao encurtamento do espaço social com a inclusão
de amplos setores das classes populares, que foi a principal obra dos
últimos governos.
Esquecem
da melhora social do país, dos ganhos de todos, inclusive criando
muitos pequenos e médios empresários que usufruíram do crédito e
do crescimento.
Agem,
mesmo que inconscientemente, como tropa de choque dos interesses dos
endinheirados.
A
raiva de muitos da classe média é contra o fato de que esquecidos
setores populares estão agora competindo pelo espaço antes
reservado à classe média.
Nas
primeiras dificuldades viram o cocho e esquecem. Centram-se em
interesses mesquinhos, agarrando-se no conto do vigário, que o
problema é a corrupção, que surgiu agora e é culpa do Lula e do
PT. Argumentos que não se sustentam com uma mínima raciocinada.
Em
um verdadeiro tiro no pé, ficam na dependência das elites
cuidadoras, com esses pensamentos burgueses que não refletem no
bolso.
Apegam-se
à cantilena global, ao moralismo tosco, colocando sua cabeça dentro
da TV, em
seu mundo desconectado com o real. Ou vão às ruas travestidos,
cheios de preconceitos, sem conceitos sólidos.
Desorientam-se
ao abraçar a simplista abordagem de que os males do Brasil é a
corrupção do estado e que o mercado é virtuoso imune a esses
problemas.
Esquecem
que esse embate não é novo. Desde Vargas domina a história
política do Brasil.
Em
tempos de crise econômica, onde a política de distribuição menos
desigual fica mais difícil, os endinheirados não querem mais saber
de benefícios para os subalternos. Querem abocanhar todos os
recursos escassos, cortar os investimentos sociais e ficar com o
Estado só para eles.
E
a classe média vai na onda dessas ideologias que manipula
sentimentos e anseios muitas vezes não compreendidos por nós
mesmos.
Não
se trata de compactuar com mal feitos ou com politicas equivocadas
que muitas vezes faz o que não disse e não faz o que afirmou.
Trata-se
uma visão de mundo e de sociedade. Na prática a classe média
contribui para que o moinho injusto das elites seja irrigado com
preconceitos e seletividades, com a fulanização da corrupção.
Somos feitos de tolos.
Como
sinaliza Jessé
souza, o
“partido da sociedade para poucos” operante.
O contraponto, o
partido da sociedade para a maioria popular, vai
ter que emergir, impondo a hegemonia dos subalternos.
Se
acham inteligentes e acabam tendo comportamento bovino, de manada,
reproduzindo factoides, acriticamente, em óbvias manipulações.
Se
acham espertos e não conseguem separar a seletiva tentativa de
incriminar somente a esquerda e o PT por atos de corrupção. A
“fulanização” da corrupção só serve à sua continuidade.
Se
acham honestos, éticos e não revoltam-se contra a corrupção
endêmica patrocinada pelas elites ao longo de nossa história.
Parece
que precisam achar um canal para extravasar seus medos diante da
sociedade de risco. Risco de perder status.
E,
com todo capital cultural que tiveram privilégio de receber, aceitam
a cantilena de que o criminoso é o funcionário do estado ou o
batedor de carteira pobre.
Não
vemos a mesma indignação contra o especulador de Wall Street, que
frauda balanços de empresas e países e arruína o acionista
minoritário e embolsa bônus milionários.
Enquanto
os primeiros vão para a cadeia os segundos ganham foto na revista
time como financista do ano.
Reproduzem
o discurso enviesado da corrupção, seletivamente. Posam de éticos
e esquecem da humilhação cotidiana da grande maioria do povo da
qual tornam-se cúmplices.
Não
revoltam-se com a grande desigualdade social do Brasil, poucos ricos
e muitos pobres, a grande vergonha nacional.
Odeiam
o Lula porque leem na Veja e assistem no jornal Nacional.
Acham
até que os pobres podem ter um futuro melhor, mas eles têm que
fazer por merecer. Seus filhos têm muito mais e iludem-se que é
fruto de seus méritos em um mundo de oportunidades desiguais.
As
elites manipulam com competência esse Alzheimer Social e o
egocentrismo infantil. Cuidado, pode ser contagioso.
Miro
no futuro mas não esqueço o passado. Minha memória recente está
ativa e busco compreender a história, juntando os nexos.
Sou
classe média e luto cotidianamente contra essa patologia pois
acredito na humanidade e que as classes são desiguais.