Desintrincar o real no interior do imaginário. (Safatle)
O que a cultura tem a ver com sindicato?
O que a cultura tem a ver com sindicato?
Respondo
com outra indagação: Como pode o sindicalismo desprezar a ação
cultural se pretende ter uma postura transformadora,
contra-hegemônica?
Embora
pareça secundária ou mesmo irrelevante, a questão cultural deveria
ser considerada uma das prioridades do movimento sindical.
A
cultura cumpre vários papéis na vida social. Seja como fator de
discriminação sociopolítica, seja como instrumento de dominação
ideológica, seja como forma de resistência das classes dominadas,
seja, enfim, como forma de criação com potencial de emancipação e
de libertação histórica.
Se
a cultura fosse algo de menor importância, seria incompreensível a
atenção que lhe é dada pelo Estado contemporâneo e a expansão
dos meios de comunicação de massa como instrumentos de legitimação
da ordem vigente e de conformismo social e político.
Torna-se
ainda mais relevante nos dias atuais, onde a batalha simbólica é a
principal luta que está sendo travada.
A
realidade atual torna cristalina a afirmação de Marx de que “a
classe dominante tem o monopólio da produção e difusão das
ideias” (controle dos modos de produção intelectual).
Só
que avançaram ainda mais na dominação. Hoje também “tem o
monopólio da produção de emoções”.
A
guerra do Iraque é um exemplo de manipulação. Esbanjaram mentiras
e ilações para justificar a invasão – combate ao terrorismo -,
onde manipulam emoções de ódio e medo dos muçulmanos. Sabemos que
os objetivos reais são econômicos e geopolíticos.
O
que fazem no Brasil não fica atrás. O ódio, o preconceito saiu do
armário e é destilado por variados setores contra a esquerda,
escamoteado na luta contra a corrupção.
São
manipulações que escondem interesses “que não se podem exercer à
luz do dia”. Constrói e reproduz o senso comum, uma verdadeira
“violência simbólica”, onde amplas parcelas, sem dar-se conta,
defendem situações que deveriam criticar pois são contra seus
reais interesses.
Diante
disso é importante construir uma política cultural consistente,
desenvolvendo uma crítica criativa e competente contra o senso comum
e suas ilusões.
Devemos
construir um movimento cultural que questione o instituído, que
integre as variadas expressões culturais de um mundo paralelo
pulsante, que seja um difusor de visões transformadoras.
Pensar
uma política cultural deve incorporar a preocupação da superação
dos limites do sindicalismo que, nos dias atuais, avança célere
para o aprofundamento da burocracia e do economicismo.
Essas
“doenças senis do sindicalismo”, corroem a necessária disputa
pela hegemonia social, onde o embate por visões e perspectivas de
mundo, que coloque o ser humano como central, pressupõe práticas e
políticas também transformadoras.
Torna-se
necessário, também equacionar a questão do imediato versus o
permanente e buscar condições para que na ocorrência do primeiro
não precise o segundo parar.
A
formação e uma política cultural permanente, que não fiquem
dependentes dos “espaços livres” da luta economicista, não
significam departamentos funcionando e uma diretoria alheia. Pelo
contrário, devem estar no dia a dia do dirigente sindical.
Tampouco
deve significar somente como produção de eventos. Os sindicatos
devem propiciar espaços para a expressão humana, para o exercício
solidário, crítico, criativo e libertário.
Devem
servir para alimentar e alargar sonhos, utopias e ajudar a construir
outro modo de vida: um viver partilhado por todos com dignidade,
igualdade e felicidade.
Portanto,
diante das profundas mudanças no mundo do trabalho, onde o capital
desenvolveu formas sutis e sofisticadas de exploração, com o Estado
e a sociedade civil sendo redefinida, a questão cultural não pode
continuar sendo secundarizada pelos sindicatos.
É
um campo rico para imprimir um “novo” sentido ao fazer sindical.
Sentido que nasce da necessidade de compreender o trabalhador como um
ser humano por inteiro e não um mero vendedor da força de trabalho,
papel a que é reduzido pelo sistema capitalista.
Mas
para indagar é preciso conhecer, formar gosto, ganhar competência
para integrar signos e códigos.
Mas
não são somente interrogações o que nos move. Precisamos
exclamar, afirmar nossas identidades, nossos valores.
Em
lugar de determinar (ou impor) ações e condutas, devemos estimular
a criatividade, potencializando desejos e criando situações de
encantamento social.
O
desafio é permanente, sempre buscando garantir o protagonismo da
categoria, em um processo de envolvimento, construído coletivamente
pelas pessoas; fazendo, lutando e sonhando, pois essa é a nossa
cultura.