domingo, 20 de março de 2011
MOVIMENTO SINDICAL E CULTURA PARTE 3
Cultura como processo
A ação cultural deve ser vista como um processo, não uma série de eventos, com um fim em si mesmo, ou sem relações concatenadas.
A cultura como processo significa um movimento de irrigação constante, onde sua dinâmica constitua-se de complementariedades que forme um todo coerente.
Nesse sentido destaco alguns elementos que julgo essenciais:
Ação cultural para a libertação
Paulo Freire nos ensina que “enquanto a ação cultural para a libertação se caracteriza pelo diálogo, a ação cultural para a domesticação procura embotar as consciências”.
Esse é o grande embate – a libertação cultural e social – pressuposto para a transformação social. Nesse rumo é preciso possibilitar aos trabalhadores a compreensão crítica da “verdade de sua realidade”, denunciando os mitos veiculados pelas classes dominantes.
“Desde que a consciência é condicionada pela realidade, a conscientização é um esforço através do qual, ao analisar a prática que realizamos, percebemos em termos críticos o próprio condicionamento a que estamos submetidos” (Paulo Freire)
Ação cultural para a liberdade é tornar as tecnologias livres, acessíveis ao povo; garantir aos dominados espaços para fruição e produção cultural; significa lutar para democratizar a comunicação, onde o povo se veja e solte sua voz.
Transversalidade da cultura
A cultura está contida em todas as esferas sociais. Para a ação sindical é importante compreender que tem grande transversalidade.
Enfrentar o patronato nas campanhas salariais ou mesmo no dia-a-dia laboral, pressupõe disputar valores, ideias, objetivos.
Abordar a saúde dos trabalhadores pressupõe revelar a realidade nua e crua que adoece e mata. (mesmo porque nessa realidade, por mais lógica que seja a relação causal do adoecimento com o ambiente, nem sempre os trabalhadores e a sociedade conseguem ver através das construções sociais que “escondem” a verdade).
Discutir formação sem compreender as variantes culturais é limitar o raio de efetividade.
Enfim poderia continuar exemplificando, mas o que precisamos deixar claro é que a cultura tem o potencial de cimentar as várias ações, dando unidade, coerência e maior potencialidade.
Construindo redes
O movimento sindical tem uma cultura de organização verticalizada. Herança getulista, sua estrutura é por categorias, com limites para a articulação entre os Sindicatos e destes com a sociedade.
O Novo Sindicalismo inovou, buscando avançar na relação intersindical, na relação com outros setores do movimento popular e também entre os trabalhadores nos locais de trabalho.
Mas a força da estrutura limita os avanços e, em alguns casos retrocessos estão ocorrendo.
A articulação de redes é uma realidade no mundo atual.
O movimento que culminou com o FSM, é fruto de articulação de uma rede de organizações.
O movimento sindical deve recuperar a capacidade de constituir ampla articulação social, tanto para “fora” - com os movimento popular, da luta pela terra, intelectuais, etc. - como para “dentro” - com os trabalhadores, nos ambientes de trabalho.
No processo de disputa da hegemonia social trabalhar colaborativamente, em rede, é essencial. Nesse rumo devemos utilizar a tecnologia existente para a disputa de ideias (twitter, blogs, TV e radio WEB), mas também organizando os trabalhadores no rumo da cooperação.
Sempre preocupando-se com o conteúdo, questão elementar, pois a tecnologia pode ser usada tanto para discutir e organizar os trabalhadores sobre novas práticas sociais emancipatórias, como para reproduzir a lógica dominante.
Nossos valores e símbolos
A luta simbólica é tão importante (ou até mais) que a militar. (Celio Turino)
O movimento sindical deve buscar incorporar fortemente a luta movida por valores, sem abandonar a luta concreta na defesa dos interesses cotidianos dos trabalhadores. Essas duas necessidades se entrelaçam.
Cada vez mais os interesses serão satisfeitos quando os valores essenciais do bem comum forem contemplados.
Compreender que os trabalhadores também são cidadãos, consumidores, pais e mães, protagonistas da existência, é essencial para compreender que precisamos disputar os valores “vendidos” pelas empresas e pelas classes dominantes.
É política de tiro curto pensar somente no aumento da campanha salarial, sem garantir melhorias nos serviços públicos, nas condições de trabalho, na transformação efetiva da sociedade.
Educação para a liberdade
A formação é elemento estratégico para a luta sindical. Não pode restringir-se a atividades pontuais, deve ser entendida como um processo permanente.
A formação deve ter como objetivo fomentar um público mais crítico, que vai se formando para exercer uma prática cultural mais elaborada e transformadora.
“Ver cinema, fazer arte, visitar museus, brincar, tudo é educação. E educação não pode se restringir a um período da vida, precisa ser entendida enquanto um processo permanente; em que todos participam e invertem papéis, ora educando, ora educador. Uma educação que se faz na rua, nas praças, ocupando todos os equipamentos disponíveis. E todas as pessoas”. (Célio Turino)
Rede de vozes – comunicação democrática
A comunicação deve ser vista enquanto cultura, como direito básico, como meio de expressão de indivíduos e grupos.
Devemos Utilizar a tecnologia para difundir a “nossa cultura” a cultura dos subalternos, mas cuidando para que não seja apropriada pela cultura de massa que tem o “poder” de deturpar, pasteurizar.
Patrimônio Cultural
Um povo que não tem um acervo de conhecimentos, arte e memória não tem referências que lhe permitam projetar-se para o futuro; estará condenado a ser um mero receptor nunca um criador.
Resgatar a memória é importante instrumento de contra hegemonia, de enfrentamento às deturpações.
É importante ferramenta de consolidação de uma cultura de luta e de solidariedade.
Precisamos retratar a história a partir da visão dos trabalhadores.
Um documentário, uma publicação, podem provocar sensações, informar, conscientizar. Para isso devemos ter capacidade de ampla difusão de nossa produção, bem como estimular a criação coletiva em grande número.
Trabalhadores fazendo arte
Os sindicatos devem incorporar e estimular a produção cultural dos trabalhadores. É um elemento que mobiliza pessoas, produz conteúdo, sensibiliza variados atores. O produto artístico é a concretização de um processo e as obras culturais resultantes tem potencial motivador, conscientizador, sensibilizador.
Antes de tudo, cultura é abrir-se para o campo do sensível e também para o cultivo da mente, ou, nas palavras de Bertolt Brecht, “é pensar, é descobrir”. (p. 201)
Denúncia e anúncio
Fincar nossas bandeiras, nossos símbolos, denunciar a exploração, mas também anunciar como superar a situação, buscar os caminhos do novo, construindo alternativas.
É preciso sonhar
A utopia deve estar presente em nossa luta. O que é utopia hoje amanhã pode se tornar realidade. A vida é feita de história, e a história foi construída pelos homens em suas relações sociais, não é algo sobrenatural.
A história é um carro alegre
Cheia de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue.
(Chico Buarque e Pablo Milanez)
É preciso agir
com protagonismo e autonomia. A práxis social é o motor da transformação.
Lutar é preciso
Nunca abandonar a capacidade de luta, sempre buscando "transformar o destino a golpes de vontade” (Chê Guevara).
Essa é a nossa cultura!
O movimento sindical tem uma bela história de lutas, resistências, protagonismo. Mas também de subserviência, peleguismo. Mas entre avanços e recuos, tem uma história e uma cultura de participação nos processos políticos do país, sempre decisivo nas transformações e conquistas sociais.
Como afirmava Gramsci a cultura é um campo de luta para se determinar significados e disputar a hegemonia social. É central para um projeto de mudança.
“É por meio de suas práticas e instituições que se exerce a hegemonia e onde também se tem de lutar para suplantá-la (Maria Cevasco)
Nossa cultura alia a ação concreta com a esperança, a utopia a ser buscada.
Pois, “quem já viu a esperança não se esquece dela. Procura-a sob todos os céus e entre todos os homens”. (Octavio Paz)
SINDICATO E CULTURA PARTE 1
http://sindicateando.blogspot.com/2010/11/boris-casoy-comete-gafe-ao-ofender.html
SINDICATO E CULTURA PARTE 2
http://sindicateando.blogspot.com/2010/12/movimento-sindical-e-cultura-2.html
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Os trabalhadores de Jirau e a direção da CUT Imprimir E-mail
ResponderExcluirEscrito por Waldemar Rossi
07-Abr-2011
Esperei o desenrolar dos conflitos nas obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, para escrever sobre eles. Durante esse tempo, o que mais me chamou a atenção foram as declarações e a postura do tesoureiro da CUT Nacional, Vagner Freitas.
Segundo reportagem de Lonêncio Nossa (Estadão de 22/03/11, Economia), "enquanto mais de 300 trabalhadores das obras da usina Jirau ainda se amontoavam em alojamentos precários, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) discutia, na manhã de ontem, em um hotel de Porto Velho, o (seu) espaço político no governo e o comando sindical dos canteiros das margens do Rio Madeira".
De acordo com o repórter, o representante da CUT Nacional, Vagner Freitas, defendia os interesses do governo pela obra, e não as condições precárias dos trabalhadores, submetidos a péssimas condições de alojamento, além de dezenas de irregularidades nas condições de trabalho e nos salários. Ao defender o retorno dos trabalhos, sem que os graves problemas fossem antes resolvidos e a empresa punida, o representante da CUT nada mais fez que defender os cargos de seus sindicalistas nas esferas do governo - com altos salários - e os criminosos interesses da Camargo Correa e outras empreiteiras associadas à obra.
Isto nos parece relevante: diante do trabalho que se aproxima do escravo, da super-exploração da Camargo Correa, os dirigentes da central que nasceu das lutas operárias no final dos anos 70 e início dos 80 se reuniram em hotel preocupados em defender espaços no governo e o controle dos trabalhadores na referida obra. E convidaram os operários a voltarem ao trabalho "com o rabo por entre as pernas". É simplesmente humilhante. É a prática do peleguismo mais deslavado do mundo. Nem o Joaquinzão – de triste memória – faria igual.
Enquanto a CUT (assim como a Força, a CSB e outras) faz de conta que defende os interesses dos trabalhadores, engolindo todos os sapos que lhes são impostos, o governo Dilma não se mostrou nem um pouco preocupado com o ganho dos que produzem as riquezas do país. Preferiu pura e simplesmente impor os R$ 545,00 para o Salário Mínimo que, segundo a Lei, deveria estar em torno de R$2.060,00, assim como determinou a intervenção federal nas obras da usina.
E as centrais (CUT, Força e outras menores), no caso do Salário Mínimo, simplesmente fizeram jogo de cena, defendendo alguns reais a mais, enquanto barganharam com a presidente seus novos cargos no governo ou nas estatais. Enquanto os partidos da antiga esquerda engoliam a imposição em troca de distribuição de verbas do orçamento da União para atender a seus interesses clientelistas. E a Dilma sabe muito bem como submeter a pelegada às suas determinações.
Felizmente os trabalhadores de Jirau mostraram maturidade e continuaram seu enfrentamento com a poderosa construtora - financiadora das milionárias campanhas eleitorais de deputados, senadores, governadores e da presidente. Outras lutas estão pipocando Brasil afora, num sinal de que a paciência e o comodismo dos trabalhadores, ludibriados pelas constantes promessas eleitorais, estão chegando ao seu limite. Vão criando coragem para defender seus direitos e suas vidas. Que se cuidem os novos pelegos! CUT, quem te viu, quem te vê!
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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