terça-feira, 4 de dezembro de 2012

NÃO DEIXEM QUE ARRANQUEM SUA LÍNGUA


Depois de uma peregrinação que durou dez dias, a caravana da Oficina Literária do SindBancários chegou a Assunção para o lançamento do Livro “Esta Terra tem Dono”. A obra foi escrita por oficineiros coordenados pelo escritor Alcy Cheuiche. Os contos que ilustram as origens dos povos do Mercosul foram escritos em português e traduzidos para o espanhol e para o guarani.

Neste vídeo, um dos tradutores da equipe de Assunção, Mauro Lugo, lê em guarani a minha apresentação, escrita em português e traduzida para esse idioma. Essa apresentação aconteceu na Universidade de Assunção, capital do Paraguai, em 23 de novembro. O livro e a caravana foram muito bem recebidos também no Uruguai e na Argentina, onde foram lançados em dias anteriores.

Abaixo reproduzo a apresentação

Não deixem que arranquem sua língua

Eduardo Galeano em um dos livros da trilogia Memória do Fogo conta uma história que merece ser reproduzida. O fato ocorreu em 1767, nas Missões.

Nas gráficas das missões paraguaias tinham sido feitos alguns dos melhores livros impressos na América colonial. Eram livros religiosos, publicados em língua guarani, com letras e gravuras que os índios talhavam em madeira.

Nas missões falava-se o guarani e lia-se o guarani. A partir da expulsão dos jesuítas, é imposta aos índios a língua castelhana, obrigatória e única.

Ninguém se resigna a ficar mudo e sem memória. Ninguém obedece.”

(As Caras e as Máscaras, Eduardo Galeano, Editora Nova Fronteira)

Os bancários tem a língua afiada ao denunciar as injustiças; ao convocar para a luta; ao debater os contextos; para expressar a paixão; para afirmar e para questionar.

O Sindbancários é produto de uma tradição de protagonismos e de não se vergar ao que é imposto.

O livro que estamos apresentando me tocou sobremaneira em sua proposta. Primeiramente, através de contos, retratar a cultura comum de países que foram forjados a ferro e fogo, mas também como integração de povos.

Em segundo lugar, escrito em três línguas, português, espanhol e, com certo ineditismo, o guarani. Sem o guarani diminuiria a força dessa publicação.

Nesse século XXI, quando presenciamos novas tentativas de impor padrões, buscando submeter culturas, surge um livro que resgata a tradição missioneira de não se dobrar ao instituído, preservando a memória de resistência. Não é o castelhano, é a cultura americana que tenta tornar cosméticas as expressões populares.

Resgatamos o Guarani, afirmamos o espanhol, reafirmamos o português e, acima de tudo, pela cultura, integramos as pessoas através do fazer e da memória. Ninguém vai ficar insensível a esse projeto. Somos herdeiros desse espírito de ousadia. Como dizia Marx, somos radicais porque tomamos as coisas pela raiz, e a raiz, para o homem, é o próprio homem!

Resgatar a memória e a palavra, “soltando a língua” e a escrita é uma enorme contribuição para todas gerações.

Quero agradecer com muita ênfase a contribuição do amigo Alcy Cheuiche, parceiro de longa data. É mais uma edição das oficinas literárias do SindBancários, que já produziram cinco livros de excelente qualidade, sempre conduzidas com categoria pelo mestre Alcy.

Nossa gratidão aos escritores, que dedicaram preciosas horas de suas vidas a esta empreitada. Acima de tudo parabéns pelo resultado, surpreendente e de excelente qualidade. Agradeço também aos tradutores, que fizeram um trabalho esmerado, honrando os textos originais.

Um agradecimento especial aos meus colegas escritores bancários, verdadeiros herdeiros da garra guaraní e da solidariedade como missão de vida.

Mauro Salles Machado
Presidente do Sindbancários