domingo, 23 de novembro de 2014

DILMA SENTIU O GOLPE?



As especulações sobre os novos ministros a serem anunciados, especialmente em relação a Katia Abreu e Joaquim Levy, trouxe muita preocupação aos militantes de esquerda. Eu, senti o golpe!

Em se concretizando as indicações, expressa uma visão de buscar o centro (e mais além)  na política e acalmar os mercados, adaptando-se a uma espécie de chantagem. Também mira na recomposição da maioria no congresso Nacional.

Uma visão pragmática, que reage ao ataque golpista patrocinado em várias frentes – judiciário; PF; Congresso; Grande Mídia.

A estratégia é clara, não dar tréguas ao governo, buscando sua destituição ou sangrar até as eleições 2018.

Será que a Presidenta, diante desse cenário sentiu o golpe e teve que pactuar com o inimigo?

“Os homens fazem sua história, mas não nas condições que escolheram” (Marx).

Mas creio que o excesso de pragmatismo não seja a solução para as dificuldades. Pode trazer outras mais sérias como o isolamento da única base social que mantem-se fiel nos momentos difíceis, os movimentos sociais, os trabalhadores.

Confiar nos escorpiões pode ser fatal no final da travessia.

A frustração pela falta de sinalização e de diálogo com o lado popular, pode ser desastroso a médio prazo.

Creio que não devemos ter medo de ousar. O antídoto contra o golpe em gestação é aprofundar as mudanças. É apontar para uma Revolução, uma Revolução Democrática que empodere o povo.

O governo e, a presidente Dilma em especial, precisam se comunicar melhor, consolidando uma relação de confiança com o povo.

Espero que sejam especulações e que o governo venha a público, com medidas concretas,
para tranquilizar os movimentos populares, o povo progressista.

“...Sem confiança nada funciona. Sem confiança o contrato social se dissolve e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela sobrevivência”. (Castels)

Independente da estratégia palaciana, os movimentos populares, os partidos progressistas, o povo em geral precisa se armar para garantir a necessária ofensiva. Não ter medo de triunfar.

Não ficar no berço esplêndido, esperando pelo governo.

Depois da rebelião húngara de 1956, Lukacs, quando preso e perguntado por um oficial da KGB se estava armado, calmamente levou a mão ao bolso e entregou-lhe uma caneta.

Sim, a caneta, a escrita, as redes sociais são armas importantes.

Mas as ruas são o caminho. Organizar o povo, conscientiza-lo, o desafio.

Definir consignas que mobilizem. Quebrar ovos e cristais se preciso, sem aventureirismo, compreendendo a correlação de forças.

Eu já estou com minha bandeira e o megafone.

Peguei minha caneta, meu Smartphone e meu boné cubano.

Comprei um tênis novo (teremos muito que caminhar) e peguei meu saco de vozes e o meu outro para enfrentar o grande irmão que quer nos manipular, sempre.

Para defender o Governo legitimamente eleito e/ou para não deixá-lo refém do conservadorismo, cobrando as mudanças necessárias e prometidas.

“Porque la democracia no se consolida con odio y miedo sino poniéndola al servicio de la gente”. (Podemos - Espanha)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

2014, O ANO QUE NÃO VAI ACABAR!




TRANSPONDO VEREDAS

A conjuntura brasileira vem passando por veredas contraditórias, íngremes, onde as previsões são abaladas, e as certezas não são abundantes.

Por isso é um momento em que os “corações valentes” se destacam e abrem caminhos, consolidam traçados.

Os trabalhadores tem conseguido abrir picadas efetivas no rumo de uma inserção social com mais dignidade.

Como filosofa Guimarães Roda “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no meio da travessia”. (1)

No processo eleitoral de 2014 abriram-se enormes clareiras. Ficou muito mais evidente a justeza da proposta que aponta a necessidade de uma verdadeira Revolução Democrática no Brasil.

O processo político que está em curso não começou nas eleições deste ano e não vai acabar com a vitória progressista. A direita continua e vai continuar seus ataques.

Foi uma grande vitória, enfrentamos uma ofensiva conservadora e de direita incessante, capitaneada pela grande mídia, sintetizando uma estratégia que era articulada em vários setores.

É correto afirmar que os governos Dilma e Lula tiveram problemas. O PT teve deficiências, equívocos e lacunas. Mas é mais evidente ainda os avanços produzidos. E as urnas mostraram que o povo quer mudança e não quer voltar para trás.

O conservadorismo saiu da toca e está mostrando sua face reacionária. Não deixa de ser positivo, pois agora as coisas estão mais claras e precisamos ser competentes para aproveitar a nitidez política deste momento. Contra a tentativa de retrocessos aprofundar a Revolução Democrática.

A DEMOCRACIA É SUBVERSIVA

Como afirma Adolfo Vazquez, uma democracia que, ao superar os limites, se amplie em um processo ininterrupto de participação. Como a democracia exige uma participação consciente e racional na tomada das decisões que afetam a comunidade, e toda vez em que esta participação é uma exigência de liberdade, a democracia é um valor a que não se pode deixar de aspirar. E ao mesmo tempo em que a realização deste valor requer superar seus limites reais, a democracia, dada sua necessidade de estender-se ou aprofundar-se, é subversiva.

Gostaria de enfatizar um elemento que julgo central para uma efetiva democratização da sociedade e que muitas vezes é secundarizado. Me refiro aos espaços de produção, às relações de trabalho e consequentes relações sociais.

Apesar de extrema importância, não basta disputar “as ondas do rádio e da TV”. Devemos disputar as consciências em sua materialidade, nas relações sociais reais onde, no cotidiano, os trabalhadores constroem seus valores.

Norberto Bobbio diz com razão que a democracia no sistema atual encontra uma barreira insuperável nas portas das fábricas. Precisamos nos voltar para os ambientes de trabalho, democratizando-os, disputando o imaginário dos trabalhadores pois as empresas estão a fazê-lo, onde a meritocracia é o mantra e estão produzindo individualistas.

Também devemos ter presente que a consciência de classe, além dos locais de trabalho, é produzida e veiculada nas ruas, bares, pubs, cozinhas, capelas, centros comunitários e quintais dos subúrbios da classe operária.

Boaventura de Souza Santos resume adequadamente a questão afirmando que o “espaço da produção hoje é mais central do que nunca e a sua hegemonia aumenta com a difusão social da produção, com a ideologia do produtivismo e do mercado, com a compulsão do consumo”.

Ainda concordando com Boaventura, uma das tarefas centrais para a Revolução Democrática consiste na politização do espaço de produção. “A fábrica é um micro-estado onde é possível detectar instituições similares na forma e aparência do campo político liberal, só que muito mais despóticas (o direito da produção, a lealdade à empresa, a distinção entre o público e o privado, a representação dos trabalhadores, as coligações, etc.)”.

O desafio é construir dois tempos coexistentes. O espaço da experiência – não deixar retroceder – e espaço de expectativas – necessidade de avançar substancialmente.

NA TRILHA DO MOVIMENTO SINDICAL

O movimento sindical enfrenta situações complexas. O mundo do capital está horizontalizado, nossos sindicatos ainda são verticais, da era fordista. Têm sido incapazes de se horizontalizar, de tornar-se mais classistas, de incorporar os excluídos. Este é o primeiro desafio, se queremos dar vitalidade aos sindicatos.


O desafio é calibrar as lutas imediatas a um projeto global anticapitalista, “tocar” o dia-a-dia da categoria integrando com as questões gerais, compreendendo e fazendo compreender que a melhoria da saúde, de garantias previdenciárias, salariais, etc., não é efetiva somente com a luta de uma categoria isolada, é necessário unir forças sociais.

Devemos buscar contribuir na construção uma estratégia de longo alcance, ousada e criativa, onde o próprio movimento sindical deve questionar-se de alto a baixo.

“É melhor que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa, até porque, se o não fizer, acabará por ser questionado a partir de fora”, provoca Boaventura Santos.

O sindicalismo já foi mais movimento que instituição. Hoje é mais instituição que movimento.

Temos de rearticular um amplo movimento que tenha bandeiras comuns e ações integradas, superando o sectarismo. O sectarismo, a negação de ouvirmos-nos uns aos outros e compartilhar opiniões na tentativa de construir novas sínteses tem sido muito presente entre nós. O senso comum e a repetição mecânica de velhas e novas “palavras de ordem” substituem a boa e velha prática da observação, do estudo e da discussão.

Como a política é a arte de construir a força social e a política capaz de mudar a realidade, tornando possível no futuro aquilo que hoje parece como uma impossibilidade, o momento impõe oferecer à sociedade alternativas 'que se pode tocar com as mãos'.

O REAL RODA E PÕE ADIANTE (1)

Diante desse contexto afirmar, reafirmar e firmar o timão na direção de uma Revolução Democrática efetiva torna-se imperativo.

A luta por uma reforma política tem que estar casada com a regulamentação da mídia e na construção de canais progressistas de comunicação para contrapor ao golpismo midiático. Regulamentação da mídia e reforma política, ovo ou a galinha. Será possível realizar mudanças democráticas profundas sem antes democratizar a mídia? Creio que a ofensiva deve ser conjunta, concomitante, e necessita de ampla mobilização.

Todavia, a Reforma Política não pode ficar restrita ao sistema eleitoral – sem dúvida que é de extrema importância. Mas devemos buscar o futuro e além , avançando em mecanismos de participação direta e na democratização nas relações de trabalho. Empoderar o povo, eis a grande tarefa. Organizar o povo, eis o grande desafio.

Claro que não podemos desprezar a correlação de forças. Mas para pender para o lado progressista, precisamos incidir com firmeza, coragem e inteligência. Acima de tudo, precisamos ser ofensivos, cunhando consignas que dialoguem com os anseios sociais a fim de colocar em movimento as forças mudancista. Se assim não for, podemos amargar com reformas retrógradas.

O Governo Dilma não pode retroceder nas promessas na campanha pois ficará sem o povo e refém do conservadorismo. Mas é uma equação difícil de solucionar.

O modelo de governabilidade que ainda impera é de pactuação com um congresso ainda mais conservador. A grande mídia continua com um poder brutal. E ainda precisamos consolidar uma organização popular que tenha capacidade de mobilização, ocupando as ruas para sustentar as mudanças.

Urge garantir efetivos mecanismos de empoderamento popular, com ampliação de direitos e reformas estruturais. Criar mecanismos para que a democracia chegue nos locais de trabalho onde vigora outro código civil e penal.

Para isso o movimento social e o movimento sindical, em especial, necessitam remexer-se, chacoalhar-se para estar a altura do momento histórico.

Temos um mundo cheio de protestos. Pessoas que se mobilizam porque acham que tem algo muito errado. Mas existem muitos muros que separam estas lutas, “tantos diques as impedem de fluírem umas nas outras”. O desafio é romper essas represas e unificar nossos protestos.

Talvez o momento seja o de formular perguntas para essa realidade complexa. Respostas estão sendo dadas e respostas precisam ser buscadas. Para isso precisamos de perguntas bem elaboradas para que achemos, juntos, as respostas.

“Perguntando, caminhamos”, dizem os Zapatistas. Nós perguntamos não só porque não temos todas certezas sobre o caminho, “porque perguntar pelo caminho é parte do próprio processo revolucionário”, nos lembra Holloway.

Acima de tudo o momento impõe encantar o povo. Quando o povo sente firmeza e clareza sobre o que buscar e lutar não vacila e vai à luta.

E unir a esquerda, torna-se tarefa primordial, o antídoto à tentativa raivosa do reacionarismo de impor retrocessos.

Tudo com urgência meteórica, nos caminhos do lado iluminado do cometa Brasil, não permitindo que o lado escuro descarregue as baterias populares.

O tempo "ruge" e como bem diz Saul Leblon, a esquerda não tem mais o direito de perguntar que horas são.

Eis os desafios, desanuviar, achar os caminhos. “A liberdade é assim, movimentação”.(1)

(1) Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas

Texto compeleto:

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SINDICALISMO E A REVOLUÇÃO DEMOCRÁTIVA - PRIMEIRA PARTE




2014, O ANO QUE NÃO VAI ACABAR!

A conjuntura brasileira vem passando por veredas contraditórias, íngremes, onde as previsões são abaladas, e as certezas não são abundantes.

Por isso é um momento em que os “corações valentes” se destacam e abrem caminhos, consolidam traçados.

Os trabalhadores tem conseguido abrir picadas efetivas no rumo de uma inserção social com mais dignidade.

Como filosofa Guimarães Roda “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no meio da travessia”. (1)

No processo eleitoral de 2014 abriram-se enormes clareiras. Ficou muito mais evidente a justeza da proposta que aponta a necessidade de uma verdadeira Revolução Democrática no Brasil. Revolução com R maiúsculo onde a participação popular seja efetiva, que avancemos para uma democracia substantiva em todos setores da sociedade.

O processo político que está em curso não começou nas eleições deste ano e não vai acabar com a vitória progressista. A direita continua e vai continuar seus ataques.

Foi uma vitória hercúlea, enfrentamos uma ofensiva conservadora e de direita incessante, capitaneada pela grande mídia, sintetizando uma estratégia que era articulada em vários setores. Desde o judiciário que virou palco para essa estratégia, até o legislativo – onde muitos estavam entrincheirados, buscando conservar os privilégios dos de cima, fantasiados de defensores das mudanças (e da base aliada) - , passando pelo mercado financeiro que politizou a bolsa de valores.

As candidaturas oposicionistas faziam parte desse cenário. Isso foi ficando evidente, quando o jogo foi jogado, inclusive com a participação da candidatura de Eduardo Campos e depois Marina (pelo visto haviam combinações prévias entre o bloco PSDBista e PSBista).

É correto afirmar que os governos Dilma e Lula tiveram problemas. O PT teve deficiências, equívocos e lacunas. Mas é mais evidente ainda os avanços produzidos. E as urnas mostraram que o povo quer mudança mas não quer voltar para trás.

O conservadorismo saiu da toca e está mostrando sua face reacionária. Não deixa de ser positivo, pois agora as coisas estão mais claras e precisamos ser competentes para aproveitar a nitidez política deste momento. Contra a tentativa de retrocessos aprofundar a Revolução Democrática.

A DEMOCRACIA É SUBVERSIVA

Com a ajuda do Juarez Guimarães, entendemos por Revolução Democrática a  “busca de uma nova estrutura de direitos e deveres que se refere tanto à distribuição da propriedade, as formas de organização dos tributos e dos gastos públicos, as relações de gênero, as relações de cidadania e culturas étnicas, as questões ecológicas, questões que dizem respeito aos direitos da classe trabalhadora.

Significa, também, reformar as instituições que organizam quem decide, porque decide, como se decide. É operar uma mudança de fundamentos do Estado brasileiro.

Portanto o Processo de revolução democrática é o meio para construir novas legitimidades e novas bases sociais, novos padrões regulatórios públicos na economia e capacidades de governos que, juntos, podem catalisar mudanças estruturais na correlação de forças”. Construindo uma nova hegemonia, acumulando forças na batalha das classes.

O processo eleitoral de 2014 trouxe luzes ao debate. É bom lembrar que quase todos esses temas (gênero; discriminação racial; direitos trabalhistas; Independência Banco Central e Papel Bancos públicos; entre outros) foram cotejados no embate eleitoral, obrigando a posicionamentos. A candidatura Dilma, corajosamente, posicionou-se positivamente sobre esses temas.

Portanto, facilita a continuidade da contenda, buscando avançar na construção de uma cultura socialista e democrática.

A sociedade capitalista em geral, e a brasileira de maneira muito especial, impõem limites para a plenitude da democracia. Mas, essas dificuldades precisam ser enfrentadas para que  a democracia seja estendida e aprofundada, transpondo os limites da democracia formal, política ou parlamentar – sem abandoná-la – a uma democracia real, econômica e social.

Como afirma Adolfo Vazquez, “uma democracia que, ao superar os limites, se amplie em um processo ininterrupto de participação(...)Como a democracia exige uma participação consciente e racional na tomada das decisões que afetam a comunidade, e toda vez em que esta participação é uma exigência de liberdade, a democracia é um valor a que não se pode deixar de aspirar. E ao mesmo tempo em que a realização deste valor requer superar seus limites reais, a democracia, dada sua necessidade de estender-se ou aprofundar-se, é subversiva.

POLITIZAÇÃO DO ESPAÇO DE PRODUÇÃO

Gostaria de enfatizar um elemento que julgo central para uma efetiva democratização da sociedade e que muitas vezes é secundarizado. Me refiro aos espaços de produção, às relações de trabalho e consequentes relações sociais.

Como frisou Lukaks, a estrutura dos elementos econômicos fundamentais da sociedade não é alcançada somente pelas tempestades que agitam o céu da política” , acrescentaria “o céu da grande mídia”.

Na formação da consciência de classe é estruturador a materialidade. A vitória de Dilma, superando todo ataque midiático-politico-econômico, provavelmente teve como elemento importante o voto da nova classe trabalhadora, que inegavelmente teve avanços materiais e, apesar de toda armação midiática, posicionou-se positivamente em relação à candidatura Dilma.

Claro que não podemos desprezar o papel da superestrutura simbólica, da verdadeira violência praticada pelo martelar constante de ataques ao governo, às esquerdas, principalmente ao PT.

Não podemos desconsiderar que, mesmo que minoritariamente, contingente considerável entrou na onda.

A adesão da nova classe trabalhadora é fluida, não consolidada pois está em disputa e, para que a dominação da burguesia seja efetiva, uma condição inelutável é que as outras classes se iludam, permanecendo com uma consciência de classe confusa.

Como nos ensina Marilena Chaui, essa nova classe trabalhadora “é uma classe retalhada pelas novas condições de trabalho na era do neoliberalismo. Um agrupamento que foi e é coagido a entender a sua inserção no mundo como uma relação unilateral com a gôndula do supermercado e o limite do cartão de crédito”.

Portanto, firmar e afirmar o caráter de classe, da disputa de classe, é essencial neste momento – muitos companheiros(as) anestesiados, dormindo nos berços esplêndidos palacianos, esqueceram que a luta de classe continua movendo a sociedade.

Apesar de extrema importância, não basta disputar “as ondas do rádio e da TV”. Devemos disputar as consciências em sua materialidade, nas relações sociais reais onde, no cotidiano, os trabalhadores constroem seus valores.

Norberto Bobbio diz com razão que a democracia no sistema atual encontra uma barreira insuperável nas portas das fábricas. Precisamos nos voltar para os ambientes de trabalho, democratizando-os, disputando o imaginário dos trabalhadores pois as empresas estão a fazê-lo, onde a meritocracia é o mantra e estão produzindo individualistas.

Também devemos ter presente que a consciência de classe, além dos locais de trabalho, é produzida e veiculada nas ruas, bares, pubs, cozinhas, capelas, centros comunitários e quintais dos subúrbios da classe operária.

Portanto além de acesso ao ensino superior, precisamos debater novos currículos pois as Universidades estão formando “coxinhas”. Além de garantir uma segurança alimentar devemos buscar organizar o povo onde vivem e em seu viver.

Tarso Genro reflete sobre isto afirmando que “talvez configure-se neste período, um certo tipo de 'hegemonia passiva', na qual os dominados ainda não encontraram novos caminhos, e a força das transformações materiais e culturais, por si só, opera na consolidação do poder dos monopólios privados, cuja 'legitimação' é amparada pelo domínio do conhecimento e pelo controle quase total da informação”. É preciso criar elementos para botar uma cunha nessa lógica. Buscar formas de disputar efetivamente a materialidade e os valores da classe trabalhadora.

Boaventura de Souza Santos resume adequadamente a questão afirmando que o “espaço da produção hoje é mais central do que nunca e a sua hegemonia aumenta com a difusão social da produção, com a ideologia do produtivismo e do mercado, com a compulsão do consumo. A articulação entre o isolamento político do operariado e a difusão social da força de trabalho assalariada é responsável pela situação paradoxal de a força de trabalho assalariada ser cada vez mais crucial para explicar a sociedade contemporânea e o operariado ser cada vez menos importante e menos capaz de organizar a transformação não capitalista”.

Ainda concordando com Boaventura, uma das tarefas centrais para a Revolução Democrática consiste na politização do espaço de produção. “A fábrica é um microestado onde é possível detectar instituições similares na forma e aparência do campo político liberal, só que muito mais despóticas (o direito da produção, a lealdade à empresa, a distinção entre o público e o privado, a representação dos trabalhadores, as coligações, etc.)”.

A tendência tem sido não tratar com prioridade o cotidiano do trabalho, as relações de produção. Creio ser estratégico para transformações mais profundas a democratização dos locais de trabalho buscando garantias de efetiva liberdade de organização nos ambientes laborais (Delegados Sindicais/ Comissões de Empresa). Também é chave para isso garantias contra demissões. Fico um tanto perplexo diante do fato de a Convenção 158 da OIT não tenha sido regulamentada nos anos de governo Lula/Dilma.

Porque não garantir prerrogativas para os Sindicatos fiscalizarem os ambientes de trabalho, dentro da estrutura do SUS? Com certeza evitaríamos muitas mortes e adoecimentos. Mas claro que isto é contra a lógica do capitalismo e, é por isso, ser premente lutar por esses objetivos.
Portanto, descer à morada oculta dos ambientes de trabalho, compreender e interagir com as complexas relações de trabalho e mesmo o não trabalho, é essencial para a construção de um Bloco Histórico potente para a efetivação de uma substantiva Revolução Democrática.

O desafio é construir dois tempos coexistentes. O espaço da experiência – não deixar retroceder – e espaço de expectativas – necessidade de avançar substancialmente.

NA TRILHA DO MOVIMENTO SINDICAL

O movimento sindical enfrenta situações complexas. O mundo do capital está horizontalizado, nossos sindicatos ainda são verticais, da era fordista. Têm sido incapazes de se horizontalizar, de tornar-se mais classistas, de incorporar os excluídos. Este é o primeiro desafio, se queremos dar vitalidade aos sindicatos.

As causas mais profundas das contradições do capital, de tendências explosivas, devem ser atacadas em todos os lugares, com iniciativas que extrapolem a luta local, viabilizando iniciativas internacionais, intersindicalmente e com outros movimentos sociais.

Ao centrar-se prioritariamente nas questões do emprego e do salário, os sindicatos tenderam a desinteressar-se dos desempregados, das mulheres, dos aposentados e dos jovens à procura do primeiro emprego, e, ao fazê-lo, descuidaram de um campo imenso de solidariedade potencial. Mas por outro lado, em relação aos trabalhadores com emprego, abordamos apenas por uma pequena fração das suas preocupações.

De fato, os trabalhadores que estão empregados e recebem um salário Não basta melhorias no sistema eleitoral. A democracia necessita de avançar mais, chegar aos locais de trabalho, a uma efetiva participação direta da sociedade.confrontam-se no seu cotidiano com muitos problemas que afetam decisivamente a sua qualidade de vida e a sua dignidade enquanto cidadãos para os quais temos dificuldades de achar respostas adequadas.

O desafio é calibrar as lutas imediatas a um projeto global anticapitalista, “tocar” o dia-a-dia da categoria integrando com as questões gerais, compreendendo e fazendo compreender que a melhoria da saúde, de garantias previdenciárias, salariais, etc., não é efetiva somente com a luta de uma categoria isolada, é necessário unir forças sociais.

Necessitamos ter um “norte” definido, com unidade de ideal, para além do mero discurso. Não podemos almejar o poder pelo poder, sem conteúdo transformador, o que acaba por reproduzir a mesmice na inércia, reproduzindo a lógica do capital. Nunca perder de vista que existe uma disputa entre classes, por mais que aparentemente isso esteja diluído.

Devemos buscar contribuir na construção uma estratégia de longo alcance, ousada e criativa, onde o próprio movimento sindical deve questionar-se de alto a baixo.

“É melhor que seja o movimento sindical a questionar-se a si próprio e por sua iniciativa, até porque, se o não fizer, acabará por ser questionado a partir de fora”, provoca Boaventura Santos.

O sindicalismo já foi mais movimento que instituição. Hoje é mais instituição que movimento. O campo de luta prioritário tem sido nos gabinetes e corredores governamentais e menos nos locais de trabalho e nas ruas. Muitas vezes a pauta dos trabalhadores é delegada, rebaixada, condicionada pelas iniciativas governamentais ou empresariais. Esse processo de institucionalização precisa ser superado.

A “força centrípeta do Estado” e as dificuldades impostas por anos de neoliberalismo condicionaram os movimentos à acomodação e ao processo de passividade diante das poderosas estruturas de governo.

A realidade está impondo a necessidade de reinventar nossa atuação. Reinventar não significa negar os elementos positivos até aqui alcançados, mas compreender seus limites e a necessidade de superar barreiras. Ter cuidado com o acomodamento e a burocratização impostos pela rotina despolitizada. Os conflitos despolitizados atestam a falta de capacidade de elaboração e uma falta de direção comum.

Temos de rearticular um amplo movimento que tenha bandeiras comuns e ações integradas, superando o sectarismo. O sectarismo, a negação de ouvirmo-nos uns aos outros e compartilhar opiniões na tentativa de construir novas sínteses tem sido muito presente entre nós. O senso comum e a repetição mecânica de velhas e novas “palavras de ordem” substituem a boa e velha prática da observação, do estudo e da discussão.

Como a política é a arte de construir a força social e a política capaz de mudar a realidade, tornando possível no futuro aquilo que hoje parece como uma impossibilidade, o momento impõe oferecer à sociedade alternativas 'que se pode tocar com as mãos'.

O REAL RODA E PÕE ADIANTE (1)

Diante desse contexto afirmar, reafirmar e firmar o timão na direção de uma Revolução Democrática efetiva torna-se imperativo.


Carece politizar os ambientes de trabalho, as relações sociais concretas, onde a consciência de classe se torna viva, para o bem ou para o mal. Compreender e organizar os  trabalhadores através de suas carências e expectativas é urgente.

A nova classe trabalhadora precisa ser decifrada. O ímpeto da juventude precisa ser canalizado para avanços progressistas e disputar as consciências, que  em alguns setores avança preocupantemente no rumo conservador e mesmo reacionário.

A luta por uma reforma política tem que estar casada com a regulamentação da mídia e na construção de canais progressistas de comunicação para contrapor ao golpismo midiático. Regulamentação da mídia e reforma política, ovo ou a galinha. Será possível realizar mudanças democráticas profundas sem antes democratizar a mídia? Creio que a ofensiva deve ser conjunta, concomitante, e necessita de ampla mobilização.

Todavia, a Reforma Política não pode ficar restrita ao sistema eleitoral – sem dúvida que é de extrema importância. Mas devemos buscar o futuro e além , avançando em mecanismos de participação direta e na democratização nas relações de trabalho. Empoderar o povo, eis a grande tarefa. Organizar o povo, eis o grande desafio.

Claro que não podemos desprezar a correlação de forças. Mas para pender para o lado progressista, precisamos incidir com firmeza, coragem e inteligência. Acima de tudo, precisamos ser ofensivos, cunhando consignas que dialoguem com os anseios sociais a fim de colocar em movimento as forças mudancista. Se assim não for, podemos amargar com reformas retrógradas.

O Governo Dilma não pode retroceder nas promessas na campanha pois ficará sem o povo e refém do conservadorismo. Mas é uma equação difícil de solucionar.

O modelo de governabilidade que ainda impera é de pactuação com um congresso ainda mais conservador. A grande mídia continua com um poder brutal. E ainda precisamos consolidar uma organização popular que tenha capacidade de mobilização, ocupando as ruas para sustentar as mudanças.

Urge garantir efetivos mecanismos de empoderamento popular, com ampliação de direitos e reformas estruturais. Criar mecanismos para que a democracia chegue nos locais de trabalho onde vigora outro código civil e penal.

Para isso o movimento social e o movimento sindical, em especial, necessitam remexer-se, chacoalhar-se para estar a altura do momento histórico.


O momento é estimulante. A democracia está em debate e em questão, pois o ódio à democracia também expressa-se claramente. O momento pode tornar-se educativo pois o debate acirra-se e chama a atenção de grande público e as máscaras caem, as pessoas tem que se posicionar. Até a mídia está tendo que rebolar para passar-se como neutra. Como não sabem gingar não estão conseguindo.

No Congresso Nacional, a não aprovação do decreto presidencial sobre a participação popular, mostrando claramente as posições dos parlamentares e partidos.

Na campanha o debate da discriminação contra homoafetividade veio à tona e mostrou quem é quem, como também os preconceitos contra pobres, nordestino, etc.

Mas é complexa a solução da equação de toda essa confusão. Para que seja positiva e aproveitemos para aprofundar as mudanças, demanda ampla unidade e capacidade de mobilização e elaboração.

Não podemos criar diálogos com surdos que não querem ouvir. Está clara a estratégia do conservadorismo, apostar numa crise a cada esquina. O diálogo deve ser priorizado com os setores progressistas, com os movimentos sociais, mais para o lado esquerdo do espectro político.

FHC afirmou que não quer diálogo, “a confiança é como um vazo de cristal, uma pequena rachadura danifica a peça inteira”, afirmou. Acho que não se faz mudanças (omelete) sem quebrar os ovos que a serpente reacionária deixou chocando e também, se preciso, porque não, quebrar alguns cristais.

Temos um mundo cheio de protestos. Pessoas que se mobilizam porque acham que tem algo muito errado. Mas existem muitos muros que separam estas lutas, “tantos diques as impedem de fluírem umas nas outras”. O desafio é romper essas represas e unificar nossos protestos.

Talvez o momento seja o de formular perguntas para essa realidade complexa. Respostas estão sendo dadas e respostas precisam ser buscadas. Para isso precisamos de perguntas bem elaboradas para que achemos, juntos, as respostas.

“Perguntando, caminhamos”, dizem os Zapatistas. Nós perguntamos não só porque não temos todas certezas sobre o caminho, “porque perguntar pelo caminho é parte do próprio processo revolucionário”, nos lembra Holloway.

Acima de tudo o momento impõe encantar o povo. Quando o povo sente firmeza e clareza sobre o que buscar e lutar não vacila e vai à luta.

E unir a esquerda, torna-se tarefa primordial, o antídoto à tentativa raivosa do reacionarismo de impor retrocessos.

Tudo com urgência meteórica, nos caminhos do lado iluminado do cometa Brasil, não permitindo que o lado escuro descarregue as baterias populares.

O tempo "ruge" e como bem diz Saul Leblon, a esquerda não tem mais o direito de perguntar que horas são.

Eis os desafios, desanuviar, achar os caminhos. “A liberdade é assim, movimentação”.(1)

(1) Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

DIANTE DA JUSTIÇA

       



                                                      E que por ti, se torturado for,
                                                      Possa feliz, indiferente à dor,
                                                      Morrer sorrindo a murmurar teu nome. (1)

                                                                 Carlos Marighella


Precisava chegar àquela montanha.
Há anos perambula por ruelas, estradas, picadas.
Cheias de obstáculos.
Estou vendo aquela morada, mas quanto mais caminho mais longe fica,
mais perdido me sinto.

Moribundo, sem forças, recostado naquela árvore centenária, lembra seu peregrinar.
Pau-de-arara, afogamento,
confinamento.
Choque elétrico, ameaças,
voo sem rumo.
Por tudo passou e não alcançou aquele lugar,
tão perto e tão longe.
Um homem vagueia pelo caminho e avista aquele ser tão frágil e de olhar tão decidido.
Abaixa-se e oferece ajuda.
Quer um copo d’água, um prato de comida?
Não, minha fome é outra, e preciso ir lá para saciá-la,
e aponta para o morro.
Também estou a caminho de lá e posso lhe fazer companhia, convida o homem.
Mas os caminhos são tortuosos e há anos tento chegar lá e não consigo, diz o velho.

O homem encerra o breve diálogo com uma afirmação decidida:
Estou contigo nesta caminhada, não vamos desistir.

E partem com firmeza em direção ao destino.
Depois de anos de tentativas e sacrifícios chegam ao cume.
Avistam uma grande porta com tranca de ferro, vigiada por guardas.
Chegamos, gritam uníssonos!

Aproximam-se e indagam para um dos guardas:
É aqui que mora a Justiça?
Sim, mas vocês não podem entrar, não foi feita para vocês.
Mas nós vamos entrar, mais cedo ou mais tarde, vaticina o homem.

Cansados, voltam-se para o lado e sentam-se numa enorme pedra que
atravancava o caminho.
O velho olha para o homem e pergunta pelo seu nome.
Andamos juntos todos esses anos e não sei como te chamas.
Me chamo Marighella, disse o homem.
E você como é o seu nome?
Me chamo Verdade!

E olham para baixo, no pé do morro,
e avistam uma multidão a caminho.



(1) Poema “Liberdade” de Carlos Marighela, escrito em 1939 em São Paulo no Presídio Especial.
Link do poema completo:

http://www.historiavermelha.com/2009/07/liberdade-poema-de-carlos-marighella.html?m=1